A STIHL inaugurou, no passado sábado, uma nova unidade industrial em Sintra, que pretende ser um hub de formação para a Europa, e passou também a ser a casa do maior showroom da marca no Velho Continente. Numa conversa exclusiva com o Dinheiro Vivo, o CEO da empresa, Michael Traub, falou da importância do legado familiar numa empresa líder de mercado, e que se prepara para celebrar 100 anos já em 2026.A propósito do investimento de 10 milhões de euros, realizado na nova unidade em solo nacional, Traub foi perentório: “Temos de olhar para o cenário integral da STIHL, que é uma empresa 100% familiar. Portanto, investimos no longo prazo e, especialmente quando olhamos para um país onde estamos sedeados, e onde já estamos há muito tempo, aquilo em que pensamos é como ele vai ser daqui a 20 anos.Hoje até pode parecer não fazer grande sentido - é um investimento grande, sobretudo para o tamanho de Portugal - mas ele não tem de fazer sentido sequer nos próximos três anos. No entanto, tem de fazer sentido no longo prazo. E é isso que nós fazemos. Nós investimos nos EUA desde 1973, tal como no Brasil ou na Suíça...”, diz o alemão de olhos azuis brilhantes e um português quase perfeito. A conversa foi em inglês porque o seu “português é meramente coloquial” - algo que pudemos comprovar não ser verdade - e num tom descontraído e divertido que marcou todo o encontro. Aos comandos da STIHL desde 2022, Traub continua a explicar o caminho que pretendem traçar. “Sempre tivemos sorte e obtivemos os benefícios dessa estratégia de investimento e, portanto, quando a oportunidade surgiu aqui em Sintra, a equipa analisou-a e disse: “Vamos em frente”. Pode ser que o edifício pareça grande demais para o tamanho do nosso negócio. Mas quando se olha a longo prazo, o potencial de Portugal, para nós, como empresa de equipamentos automotivos, está definitivamente presente. E isso deixou-nos muito confiantes para investir aqui”.Ao seu lado, Juvenal Martins, diretor-geral da STIHL Portugal, vai acenando em sinal de concordância. Estamos sentados num dos sofás do showroom, com a luz nebulosa de um dia cinzento de inverno a iluminar-nos a tarde. “Além disso, quando se olha para as instalações de formação, percebe-se que elas podem ser utilizadas por outros mercados para além de Portugal e Espanha. Quem não quer vir a Portugal?”, atira com um sorriso. “Por isso, em termos de trazer grupos de concessionários para cá, trazer grupos de formação regionais, utilizar essa localização como um hub na Europa é muito importante”, considera. Numa altura em que a qualificação e retenção de talento é uma questão transversal a todos os setores e mercados, Traub está particularmente entusiasmado com o centro de formação em Sintra, onde acredita que a STIHL pode ter um papel fundamental em tornar mais apelativa uma indústria que, à partida, pode parecer pouco sexy sobretudo para os mais novos. Mas com uma aposta em Investigação e Desenvolvimento tão musculada quanto a que estão a fazer, acredita que a inovação poderá também ter um papel fundamental em garantir que tem os melhores a trabalhar junto de si. Atualmente, a STIHL investe cerca de 80% do orçamento de Investigação & Desenvolvimento (I&D) na transição energética. Mais de 30% das vendas da empresa são asseguradas por produtos a bateria, um valor que ainda é “baixo para o que será preciso alcançar”. Em 2035,a STIHL pretende que este número se fixe em redor dos 80%. “Até lá, queremos continuar a investir para ser os melhores, tanto nos produtos que vendemos atualmente como nos que queremos vender abateria. Ou seja, sabemos que somos líderes nos produtos a combustão, mas queremos garantir que quando a transição energética for mais alargada, os nossos parceiros e clientes se mantenham connosco, porque continuaremos a ser os melhores nos produtos abateria”, salienta Traub. A STIHL é detida pela família que lhe dá nome, e foi fundada em 1926 por Andreas Stihl, considerado o “pai da motosserra moderna”. 99anos depois, a organização é líder global em tecnologia e inovação no setor, detém mais de 2800 patentes e está presente em quase 200 países, empregando cerca de 20 mil trabalhadores globalmente. Em solo nacional, a STIHL Portugal fatura cerca de 30 milhões de euros ao ano, e conta continuar a crescer, acompanhando a evolução do grupo. .Empresa familiar em crescimentoÉ, também, líder de mercado em Portugal, tendo na floresta, agricultura e meios urbanos as suas principais áreas de negócio. Liderar uma empresa familiar tem, para Traub, uma vantagem clara: “no final das contas, temos valores muito fortes na empresa. Os nossos acionistas dizem que a empresa, basicamente, nunca será vendida. Ou seja, nunca será propriedade de ninguém além da família Stihl. Logo, acreditam que a família, como acionista, sabe melhor do que ninguém o que é bom para as empresas e para os clientes. E isso dá-nos um ambiente muito seguro, muito confiável. É esse o segredo. As pessoas sabem que podem confiar em nós. Nós não as enganamos”, sublinha o gestor. E isto, garante, vale para clientes e parceiros. “Fazemos tudo para garantir que os nossos parceiros sejam bem-sucedidos”. No entanto, até dentro das famílias pode haver cisões - e é o que, muitas vezes, dita o fracasso de uma empresa familiar. Mas não nesta, à partida, garante Traub.“A família Stihl tem um código de conduta muito claro para si própria. E uma espécie de carta sobre como querem trabalhar e como querem fazer a transição da segunda para a terceira geração”, que é o que está atualmente em cima da mesa. “Além de que têm regras muito rígida, estão muito ligados ao negócio - eu hoje estou aqui com a Karen Tebar, por exemplo. Ou seja, há elementos da terceira geração que já trabalham muito de perto com um CEO que é externo. E há um entendimento muito claro de como queremos fazer as coisas. Eu acredito que esse seja o ingrediente secreto...”, atira. “Para mim, como CEO externo [à família], e só estou há quatro anos na empresa, vejo um enorme sentido de unidade, um desejo e um comprometimento muito grandes de levar a empresa da terceira para a quarta geração”, de forma sustentada e rigorosa. “Eu estou no Conselho de Administração de algumas outras empresas, e vejo esporadicamente questões familiares a interferir no futuro das companhias. Não é o que vejo aqui. Na STIHL debatemo-nos mais comoutros desafios: inovação, tecnologia, sustentabilidade da cadeia de abastecimento...”Sendo uma empresa global, a STIHL tem sido, como tantas outras, fortemente impactada pela atual conjuntura político-económica. Questionado sobre como navegam estas águas mais turvas, nomeadamente com as tarifas que entretanto foram implementadas pelo governo norte-americano, Traub sorri e admite que “vivemos num ambiente muito... dinâmico, atualmente”.“Conheço muito bem o mercado americano. É um ambiente muito dinâmico. Temos a nossa quota de aço do negócio global na América do Norte, que representa 35% do negócio global nos Estados Unidos. A nossa maior fábrica fica nos Estados Unidos”, contextualiza. “Temos uma fábrica com 2.600 funcionários em Virginia Beach e 60% dos componentes dessa fábrica já são fornecidos nos EUA. Portanto, decerta forma, estamos mais bem preparados do que outros que se abastecem na China ou na Ásia. Temos uma boa estratégia local para o mercado local. Por outro lado, é tão dinâmico que não sabemos, por exemplo, se o alumínio ou o aço terão 50% de imposto de importação. Temos componentes que enviamos do Brasil com 50% de tarifas. Componentes da Suíça que enviamos com 39%. E esta é uma grande mudança para o nosso negócio”, admite.“Assim, e embora nunca gostemos de refletir aumentos de preços aos nossos clientes, neste momento temos de lhes dizer: “não vamos conseguir absorver isso”.“Estes aumentos de preços, por meio de tarifas de importação, aumentarão os preços para os consumidores. Por mais triste que isso seja, e eu não sei qual será o impacto no volume de vendas, é uma realidade. É assim que lidamos com isso. Por outro lado, temos uma grande fábrica na China. Ela desempenha um papel muito importante para nós, também para os mercados asiáticos e europeus. Temos uma grande fábrica na América Latina e no Brasil. Estamos felizes por termos uma orientação global, mas o que está a acontecer nos Estados Unidos é, de facto, algo que analisamos dia-a-dia”.Os planos a cinco anos continuam a existir, “mas agora estamos sempre a revê-los”, diz divertido e otimista. “Sabe o que é engraçado? No próximo ano, completamos 100 anos, certo? E os governos mudam a cada quatro anos...”, conclui com um sorriso antes de se levantar e se despedir com um “Obrigado pelo seu tempo” em português. Os cinco anos que passou em São Paulo, no Brasil, fizeram-no falar um português com sotaque paulistano de que se orgulha. “Acho que só falando a língua de um país conseguimos entender o que se passa à nossa volta”, dir-nos-ia no início da nossa conversa. “Além de que é uma questão de respeito quando vivemos num país que não é o nosso, não é?”, remata.