TAP denuncia acordos de empresa e acelera novas negociações com privatização à vista

Transportadora quer fechar novos acordos até março de 2023. Trabalhadores alegam que timing é curto e acusam a companhia de querer preparar a empresa para a futura venda. Cortes nos salários e flexibilização de horários são algumas das propostas da TAP. Sindicatos fincam pé e recusam perder direitos.
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A TAP está a denunciar os acordos de empresa (AE) assinados com os vários sindicatos que representam os seus trabalhadores e já começou a sentar-se à mesa com as estruturas sindicais para propor novos documentos. Os tripulantes e os pilotos da TAP e da Portugália já receberam uma primeira versão das convenções coletivas de trabalho e, na próxima semana, iniciam os encontros com os técnicos de manutenção.

A empresa liderada por Christine Ourmières-Widener entrou com o pé esquerdo nas primeiras reuniões e pela frente adivinham-se já meses conturbados entre a direção e os trabalhadores. A começar pelos tripulantes que, descontentes com a proposta da TAP, irão discutir, na próxima semana, em assembleia-geral, a possibilidade de avançar com uma greve.

As conversações, segundo o estipulado nos Acordos Temporários de Emergência (ATE), assinados em fevereiro de 2021, deveriam ter arrancado ainda no primeiro trimestre desse ano, mas, só agora, entre o final de setembro e outubro, é que viram a luz do dia.

Os ATE vigoram até ao final de 2024, data do fim do processo de reestruturação da TAP, salvo se forem substituídos entretanto por novos AE. De acordo com a lei, o período de negociação não poderá exceder o prazo de 18 meses. Os trabalhadores pedem o fim dos ATE e dos cortes salariais impostos ainda na pandemia, mas recusam um modelo que não reponha os direitos laborais e avisam não aceitar nenhuma proposta inferior aos atuais AE.

Depois de mais de um ano de atraso no calendário, a TAP quer agora ter os novos acordos fechados até ao fim do primeiro trimestre de 2023. Os trabalhadores dizem que o prazo não é exequível e acusam a transportadora de estar a agir de má-fé, acreditando que esta urgência visa também acelerar o processo da privatização da companhia.

"O que a empresa tem dito que pretende é que nos novos AE esteja prevista uma maior flexibilidade dos trabalhadores, em horários e em rendimentos. O que está a acontecer é uma preparação para que a TAP se torne numa empresa de mão-de-obra barata, magrinha, para que quem vier já tenha aqui tudo ao agrado. Claro que esta proposta de AE que fez aos sindicatos terá a ver também com a preparação da empresa para ser privatizada ao menor custo possível", acredita a coordenadora da Comissão de Trabalhadores da TAP.
Cristina Carrilho lamenta ainda que a transportadora esteja a optar por denunciar os atuais AE. "É uma forma de a TAP fazer pressão para que as negociações sejam rápidas e para forçar os trabalhadores a aceitar sem grandes reviravoltas aquilo que está na proposta apresentada", acredita.

A direção do Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (Sitava) também condena essa via. "Para nós é inqualificável. Denunciar um acordo para negociar é colocar as duas partes à mesa em pé de desigualdade. Quando uma empresa denuncia um acordo existe má-fé, porque coloca a outra parte inferiorizada na negociação", aponta o coordenador do Sitava, Paulo Duarte.

Tripulantes discutem greve
Ao que o Dinheiro Vivo apurou, a TAP poderia ter iniciado as negociações dos novos AE sem seguir o caminho da denúncia, sendo esse considerado o último recurso a adotar neste tipo de processos. A denúncia do documento manifesta a intenção da companhia em avançar com uma alteração estrutural e substancial aos atuais acordos. Do lado dos trabalhadores não restam dúvidas de que a empresa quer retirar direitos.

O atual AE assinado com o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), datado de 2006, foi denunciado pela TAP no passado dia 14 de outubro e a nova proposta não convence os tripulantes, que dizem que o documento apresentado não poderá servir de base de negociação. "Entendemos que esta proposta é indigna e inqualificável. Não conseguimos sequer fazer um quadro comparativo entre o modelo apresentado e o atual AE. A empresa, além dos cortes salariais [impostos no ATE] quer transformar unilateralmente a própria génese da negociação do acordo de empresa de 2006 e isso é grave", argumenta o presidente do SNPVAC.

Ricardo Penarroias garante que não pode aceitar uma proposta com mais "cortes" e reprova o facto de o novo clausulado proposto pela TAP não considerar a atual conjuntura inflacionista, relembrando que os trabalhadores estão a ser impactados pelo aumento dos preços e continuam com cortes nos salários. "Tem de haver um princípio de boa-fé. Os acordos de emergência pressuponham a suspensão temporária de alguns direitos e não a sua suspensão em definitivo. Esta proposta define que os direitos que estavam suspensos temporariamente passem a sê-lo de forma definitiva, e isso o SNPVAC não pode aceitar", garante.

Para o dirigente, este documento é "a gota de água que fez transbordar o copo" e, por isso mesmo, foi agendada uma assembleia-geral com caráter de urgência para discutir com os tripulantes a resposta à TAP. O terceiro ponto da ordem de trabalhos da assembleia dos tripulantes, no próximo dia 3, é a convocação de uma greve. O SNPVAC tem agora 60 dias para contestar o modelo de AE apresentado pela TAP.

O que pedem os trabalhadores?
Nas últimas semanas, a TAP chamou também os pilotos à sala de reuniões. Segundo o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), o diálogo está a decorrer, para já, de forma "fluida", mas adianta que ainda não foram debatidas as partes críticas: remunerações e condições de trabalho. "Vamos garantir que não sejam esmagadas as condições de trabalho, a tentativa [da TAP] é essa, mas não deixaremos que isso aconteça. Poderemos vir a ter um modelo diferente [de AE], mas menos do que este acordo não aceitamos. Não vai acontecer aceitarmos remunerações abaixo do atual acordo de empresa", alerta o presidente, Tiago Faria Lopes.

Além do nível salarial, o dirigente aponta as cláusulas referentes aos complementos de reforma e ao descanso como duas das prioridades no novo modelo. Depois de meses a fio de um braço-de-ferro entre a TAP e os pilotos, que envolveu protestos e ameaças de greve, os dois lados parecem, até agora, estar a conseguir dialogar e o representante dos pilotos diz acreditar que as negociações cheguem a bom-porto, apesar de recusar os timings avançados pela companhia.

A paz entre as partes chegou depois de a TAP ter deixado cair, em setembro, o corte adicional ao salário dos pilotos de 10% definido no ATE, a partir de janeiro do próximo ano. Tiago Faria Lopes adianta ao Dinheiro Vivo que a TAP fez a quitação, a 29 de setembro, da compensação definida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito de uma ação ganha pelos pilotos, a propósito do subsídio complementar de refeições em serviço (subsídio de aterragem) e da ajuda de custo complementar (per diem). Na altura em que foi conhecida a decisão do STJ, o Expresso avançou que o montante desta compensação poderia ultrapassar os 50 milhões de euros, mas o SPAC não confirma este valor.

Apesar das águas serenas, o dirigente avisa: "Não é por a TAP repor o que é nosso que fechamos os olhos a atos de gestão completamente descabidos e desastrosos, nunca o iremos fazer".

Também aos pilotos da Portugália já chegou uma primeira sugestão de AE, por parte da TAP. Mas, ao contrário dos pilotos da companhia, na Portugália, o documento trouxe dissabores. "A proposta fica muito aquém das expectativas e da realidade da indústria a nível mundial e europeu. O que vemos na indústria global é que os cortes devidos à pandemia já foram todos retirados e já se estão a negociar aumentos devido à inflação, daí a nossa insatisfação com a proposta anunciada", comenta o dirigrente do Sindicato Independente De Pilotos De Linhas Aéreas (SIPLA), João Leão.

Já os técnicos de manutenção serão os próximos a sentar-se frente-a-frente com a TAP na próxima semana. A falta recursos humanos nesta categoria profissional tem sido sinalizada há meses pelo Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (Sitema), que alerta para a saída destes trabalhadores para outras empresas com condições salariais superiores à TAP. Por isso mesmo, este será o ponto de partida nas negociações.

"É ponto assente que tem de haver uma atualização de salários. Não vejo que a empresa possa fazer algo que saia fora desse objetivo que é rever as condições para serem iguais ou pelo menos semelhantes ao mercado", estipula o coordenador do Sitema, Paulo Manso. O dirigente teme que se o novo AE não cumprir estes objetivos, haja uma saída massiva de técnicos da TAP. "Neste momento ainda não saíram mais pessoas porque há aqui uma expetativa, que isto venha a ser corrigido nesta nova negociação. Se essa expetativa não vier a acontecer tenho muito poucas dúvidas de que vamos assistir a uma saída ainda mais premente de colegas e começa a ser inviável", antecipa.

Por outro lado, o Sitava informa que ainda não foi convocado pela TAP e assegura que, considerando as propostas já apresentadas aos outros sindicatos, não tem pressa. "Se não vierem nunca conversar connosco estamos tranquilos. Porque sabemos que o que eles querem é diminuir as condições dos nossos associados e dos trabalhadores. É evidente que eles querem diminuir as condições e os direitos que os trabalhadores não temos nenhuma pressa em conversar com eles", afiança Paulo Duarte. O dirigente garante não irá aceitar "num novo acordo de empresa o que está nos acordos de emergência com data limite", e diz que os acordos em vigor são vantajosos para a TAP.

"Os acordos de empresa do pessoal de terra são secos, não têm gorduras. Têm todas as condições para a empresa, para os trabalhadores, são equilibrados e não criam nenhum tipo de injustiça ou problemas no futuro", destaca. Para o Sitava, a progressão das carreiras profissionais é um dos pontos-chave nas futuras negociações. O Dinheiro Vivo questionou a TAP sobre vários pontos das negociações dos novos AE, mas a transportadora não quis comentar.

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