A Uphill Health está a automatizar, com recurso à IA, o processo de triagem e consulta. Qual é o racional disso?Se não conseguimos prestar cuidado altamente diferenciado a toda a gente e temos um milhão de pessoas à espera de cuidados, como existe em Portugal, isso é absurdo. É óbvio que há um argumento para fazer um downgrade da interação individual [entre o profissional de saúde e o doente] para uma maior automatização, desde que haja um humano no processo. Mas como é que o fazem, na prática?O Nuno já foi a uma consulta, certamente. Quanto tempo é que o médico passa a fazer perguntas sobre a história da doença atual? Uns 80% da consulta. ‘Como que é que fez isto? Olhe aqui e olhe ali. Como é que é a dor?’ Se toda essa informação podia ser servida no início, porque as pessoas podem reportá-la digitalmente, ela pode ser processada digitalmente. E podemos ir buscar aos sistemas de informação que já existem e servir ao médico, através de uma nota clínica, através de um sistema de suporte à decisão como o nosso, o médico vai ter 80% do tempo para discutir consigo opções terapêuticas, que é uma utilização muito mais interessante do tempo.Ou para tirar dúvidas sobre aquilo que eu lhe disse...Isso. E vai calibrar melhor a solução que apresentar. No caso das urgências, estão todas pressionadas brutalmente, por todos os motivos e mais alguns.A Uphill está, neste momento, em quantos hospitais?Nós temos cerca de 35 projetos em Portugal. Alguns destes são do mesmo hospital, portanto, eu diria que estamos entre 40 a 50% dos hospitais do SNS. E na Luz Saúde. São mais ou menos 20 unidades hospitalares.Mas em que formato? Em formato experimental? Não, é em formato prático, absolutamente prático e utilizável em todas as consultas dos departamentos para os quais nós vendemos o software. Porque vendemos o software por departamentos.E quais são?Cirurgias, Oncologia, cuidados crónicos e cuidados de saúde primários. Os serviços de urgência. Isto reduz o risco ao hospital. Vocês estratificam o software? Tem um plano normal, Pro ou Ultra?Dentro de cada pacote, que é meramente a adequação ao serviço, é de utilização livre para todos os doentes. O nosso objetivo interno é que os hospitais maximizem a utilização do produto para o cap que contratualizaram. Ou seja, um hospital, por exemplo, como o de Santo António [no Porto], que é nosso cliente, tem 40.000 cirurgias por ano. Eles contratualizam às 40.000 cirurgias e nós servimos o software - e progressivamente, ao longo da implementação vamos expandindo para todas as cirurgias.A minha pergunta era mesmo prática. Ou seja, se eles ultrapassarem as 40.000 têm de comprar mais um pacote?Não. Não compram mais nada. Está tudo incluído. O que nós fizemos aqui foi: havia duas opções de negócio. Uma era o fee variável, mas basicamente, estávamos a desincentivar a expansão do produto. Portanto, para cada pagamento marginal adicional, o hospital teria menos orçamento e, portanto, não teria interesse. Mas nós sabemos as populações hospitalares, isso é conhecido, portanto, nós definimos preço em função daquilo que é a população servida por aquele serviço naquele hospital. E o hospital pode usar para tudo.E quais é que têm sido os resultados obtidos?Serviço de urgências é um bom indicador. Nós temos 72 minutos de redução de tempo de espera, isto é, 34% menos tempo de espera. Ou seja, um doente que vai no circuito Uphill versus um doente que vai no circuito standard tem quase uma hora e meia de redução de tempo de espera.O Eduardo, faz de guia nesse circuito Uphill, por favor. Chego como doente e quê?Chegas, sentas-te e és triado.Por quem?Por uma enfermeira, tudo normalíssimo. Ela usa o sistema dela, que está ligado ao nosso. Reconhece que és elegível porque, por exemplo, estás com dificuldade respiratória e é uma dificuldade respiratória simples. O nosso sistema é ativado, vai buscar a informação sobre ti ao sistema e vai-te lançar uma mensagem.A que sistema de informação é que ele vai buscar?Vai buscar tudo o que está dentro daquele hospital. Se estás a ter cuidados naquele hospital, só podemos ir buscar àquele hospital. Com base na informação que entrou da triagem e aquilo que nós vamos obter aos sistemas de informação, lançamos-te um questionário dedicado, específico para a tua condição.Estás na sala de espera, preenches no telemóvel ou por chamada - para doentes mais idosos a chamada funciona muito bem.Permite que isso seja feito por um acompanhante?Claro, um cuidador pode preencher. Tudo dentro do próprio hospital, sentado na sala de espera do serviço. Damos essa informação, que é complementar àquilo que foi a primeira triagem. Toda essa informação é integrada. É-te dada uma pulseira dourada para saber se estás num circuito acelerado. E esta informação é apresentada ao médico que está no backoffice e que vê uma pilha de doentes que estão para ser acelerados. Tem imediatamente à frente uma proposta de plano. E esta proposta é: o Nuno chegou com uma hipótese de um quadro respiratório infeccioso, tem de fazer imediatamente Ventilan, ou uma oxigenoterapia, ou pedir meios complementares de diagnóstico. E imediatamente, após isso, o médico aprova este plano ou os meios complementares, um raio-X ou o que for. O médico ou os vários médicos - isto varia de hospital para hospital - vão aprovando. E tu estás ainda na sala de espera e já és indicado para fazer oxigenoterapia ou fazer um raio X.E os médicos estão confortáveis com essa solução?Não estavam, mas já passaram a estar. Os nossos médicos mais objetores no início, no final de 2024 início de 2025, nos serviços de urgência... (...) Nós tivemos médicos que nos atiravam coisas, mas que hoje são os melhores defensores do produto, porque depois percebem.Desde este primeiro momento de alguma desconfiança até agora, o que é que mudou?É uma sensação prática e direta de que é mais simples. Ou seja, o médico tem receio de sistemas de informação, porque a maior parte dos projetos de sistemas de informação são vendidos com imenso buzz, mas depois aquilo que chega ao dia a dia do médico ou é zero ou complica ainda mais aquilo que era o trabalho do médico. Ou tem não sei quantos cliques, tem de lidar com quatro ou cinco sistemas de informação ao mesmo tempo. E nós temos uma abordagem em que, se antes vias uma consulta e tinhas um campo de texto em branco, agora vês uma consulta, mas tens um campo de texto que diz o que é aquele doente tem e até lhe podes passar já os exames. E quando vires o doente só o vês uma vez... Então é muito difícil um médico dizer ‘isto não funciona’, certo? A forma como os algoritmos são desenhados é baseada na melhor evidência, da mesma forma como os papers que eles leem para escolher terapêuticas; aquilo está integrado no sistema de informação deles; o doente gosta porque está entretido na sala de espera. Os médicos têm menos interações. O tempo de espera diminui...E o vosso algoritmo acerta mais do que erra?Sim, esse é um bom ponto. A nossa concordância diagnóstica é de cerca de 85%. O médico tem de concordar ou discordar. Se discordar, não é feito nada. Ou seja, em 85% dos casos os médicos aceitam uma das opções propostas. Isso não abre uma porta para uma desresponsabilização do próprio médico mais tarde? Eu vi aquelas opções que o sistema me deu e escolhi uma...Não. Eu tenho uma analogia com o GPS também engraçada, que ajuda a explicar isto. Imagina que tens um condutor de um camião, que tem licença para o fazer, certo? Para conduzir um camião, tem o GPS ao lado que lhe diz para ir em frente e em frente tem uma escola primária. Estás a perceber? A responsabilidade é do condutor, não é do GPS que o manda para aquele sítio. A analogia não funciona se o camião for um self driven...Mas neste caso não é. Porque há um envolvimento do médico em todo o processo. É ele que vai ao volante, é ele que acelera, trava e continua a dizer para onde vai. E isso para nós é crítico. Agora há um buzz mediático em torno da AI: e diz-se que o sistema de saúde de hoje para amanhã vai-se transformar [estala os dedos] e tudo vai ser autónomo. E haverá enfermeiros digitais, totalmente AI. Isto é uma dissonância face àquilo que é o setor que é completamente absurda. Nenhum hospital, nenhum diretor clínico vai querer saltar de um cenário onde tem os enfermeiros a verem doente a doente e a gastarem uma data de tempo e a saírem exaustos do trabalho, para um cenário onde agora tudo é enfermeiros AI.Então como vê o futuro, a inovação nesta área? A forma como nós vemos a evolução do sistema é que vai haver uma fase, que vai dominar os próximos cinco anos, onde há uma supervisão acelerada por parte dos profissionais de saúde. Ou seja, é um ganho de produtividade brutal, em que nós deixamos de ser unidades de processamento da informação e passamos a ser unidades de aprovação de informação.