Transfóbico é a tua tia

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Andamos a discutir a definição de mulher, o avanço da cultura ou ideologia woke. Apareceu a campanha denominada ABCLGBTQIA+ lançada pela ILGA e pela Fox Life. Ricardo Araújo Pereira e Zé Diogo Quintela dedicaram dois textos destapando o ridículo das definições do dito ABC. Não há arma mais poderosa que o humor. Lá foi a campanha pelos ares. Sobre estes textos disse-me um dos meus filhos: "São corajosos para escreverem sobre isso". Até parece, pensei eu, também não vão ter ameaças de morte. Sou mais infantil do que eles e não levo estas coisas muito a sério. Nem me parece que alguém que lance um abecedário destes - uma explicação sobre palavras novas, relativas à orientação de pessoas de diferentes géneros, ligadas à comunidade LGBTI (é mais ou menos isto) - queira ser levado a sério. Tenho para mim que querem apenas chatear beatos. Só pode ser isso.

Afinal não. Afinal quem se mete com o ABCLGBTQIA+ leva. É menos arriscado tentar tirar comida a um rottweiler esfaimado enquanto ele se empanturra, do que fazer piadas com temas tão delicados quanto estes. O meu sábio filho tinha razão. A ILGA diz que estas crónicas são de "cariz transfóbico" e "altamente atentatórios à dignidade das pessoas trans". Mas não só diz, como está disposta a perder dinheiro para provar isso mesmo. E avisa que está a recolher todos os textinhos de "cariz transfóbico" para "apresentar queixas, denúncias e contactar as direções dos meios de comunicação social". No comunicado, a ILGA dirige-se às pessoas trans que estariam certamente de malas feitas e prontas para fugir do país depois de lerem os ditos textos. E sossega as massas: "nenhum destes textos ou opiniões pode pôr em causa quem és ou os teus direitos consagrados na lei". Lido isto, as pessoas certamente suspiraram de alívio e voltaram a sorrir.

O meu filho tinha razão. Ele sabe do que fala porque estes são os temas dele, é isto que ele discute com as pessoas da sua geração que gostam de discutir coisas. Há sempre uns assim. Nós discutíamos Maastricht, a fome em África, aquela confusão toda na América Latina, o Muro de Berlim, o IRA ou o Médio Oriente. Lembram-se que ainda há pouco tempo era possível debater a adoção por casais do mesmo sexo? Existiam pessoas contra - eram pessoas que têm dois olhos e não vieram de Marte. Hoje, quem se atrever a levantar estes temas é blasfemo. Arrisca-se à fogueira ou pior: a ser conotado com o Chega.

Os nossos filhos, coitados, debruçam-se sobre questões muito mais complexas do que o saudoso tráfico de droga na Colômbia. Dedicam-se a questões como: O que é uma mulher? Será lícito impor um género à nascença? Qual deverá ser a idade mínima para mudar de sexo? Deverão os pais ter voto na matéria ou será isso um atentado à liberdade e, por isso, ter consequências penais? O género é uma construção social ou ainda podemos dizer que não é sem sermos processados ou apedrejados como transfóbicos? São estas as conversas filosóficas deles regadas com litros de cerveja (admira-me que não seja absinto).

O meu filho tinha razão: são corajosos, o RAP e o ZDQ. Mas desconfio que não sabiam que estavam a ser, que podiam ser acusados de terem "opiniões transfóbicas". Aquele ABC é tão gozável, meu Deus.

Enquanto vivemos em democracia era bom que alguém explicasse à ILGA três coisas simples: deixem a cama das pessoas em paz, deixem as pessoas expressarem a sua opinião em liberdade e deixem os humoristas continuarem a fazerem-nos de parvos como sempre fizeram. Seríamos todos mais felizes e certamente menos parvos. Entretanto, espero que a maioria se mantenha parvofóbica. Porque transfóbico/a é a tua tia.

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