Transitários: "Hoje quando se compra nunca se sabe quando chega a mercadoria"

Falta de contentores, subida dos preços e incerteza são problemas que os transitários nacionais têm estado a enfrentar. "Uma luta permanente", descreve a associação.<br/>
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"Tudo falta, menos uma certeza: a da subida constante dos preços e a da pouca qualidade na prestação dos serviços do transporte marítimo", desabafa António Nabo Martins, presidente executivo da Associação dos Transitários de Portugal (APAT). Os transitários, que operaram na importação e exportação de mercadorias internacionais, vivem dias difíceis à boleia dos imprevistos que o transporte atravessa. A associação do setor admite que atualmente, muitas vezes, a data de entrega das mercadorias é uma incógnita. O resultado é sentido por toda a economia.

Os preços do petróleo têm estado a subir nos mercados internacionais - o Brent do Mar do Norte, negociado em Londres e que serve de referência para Portugal, chegou a estar nesta sexta-feira acima dos 84 dólares por barril - e as famílias, mas também as empresas, têm estado a pagar a fatura. O governo já anunciou medidas para tentar mitigar esses efeitos para as famílias. Mas os preços de outras matérias-primas - desde das energéticas, aos metais industriais e algodão - também têm estado em alta. O problema está a ter reflexos em toda a cadeia de valor. Tanto que o presidente do BCP deixou uma espécie de alerta. Afirmou que o banco está mais preocupado com os efeitos da subida dos combustíveis, dos custos da energia e com os problemas nas cadeias de valor nas empresas, do que com as moratórias que terminaram em setembro.

Os transitários em Portugal estão apreensivos, falam de uma situação muito próxima de uma guerra. "É uma luta permanente, para não lhe chamar "guerra". Ora não há contentores, ora cancelam escalas de navios, ora aumentam os preços, ora "inventam" mais problemas, seja de que origem seja. Ou são motivados e decorrentes da própria ação direta ou quando causados por entidades ligadas a todo este processo, como sejam esperas prolongadas para acostar, de movimentação de contentores ou de transportes rodoviários (falta de motoristas)", explica.

Com a pandemia, muitas indústrias, incluindo as de extração de matérias-primas, travaram a fundo a sua atividade, não permitindo a acumulação de stocks. Agora que muitas economias desenvolvidas estão a regressar à normalidade e o consumo está a escalar, a resposta do lado da oferta está comprometida. No caso das matérias-primas, a lei da oferta e da procura rege o mercado: muita oferta faz descer o preço e uma procura elevada para uma oferta reduzida aumenta-o. É esta equação que está a deixar empresas à beira de um ataque de nervos. "Atualmente, todos os destinos são complicados. Os que necessitam de transporte marítimo, mais", assume o presidente da APAT.

"Neste momento, os problemas no in e o out já se equilibram, até porque os contentores ultimamente cada vez viajam menos vezes em vazio. Nos principais portos americanos e asiáticos assistimos a mais de 10 dias de espera para acostar, chegando a haver mais de 70 navios em espera nalguns deles. Hoje, quando se compra, nunca se sabe quando chegam as mercadorias, sejam matérias-primas ou já produtos acabados", diz.

António Nabo Martins, questionado sobre se há falta de contentores e se os fretes marítimos têm subido, assume que falta "tudo" e "tudo está mais caro" e mais imprevisível.
O transporte rodoviário e o aéreo apresentam algumas diferenças, analisa a APAT. O líder da associação explica que os produtos que chegam por avião, tipicamente mercadorias e bens de maior valor, "estão a conseguir atingir a normalidade, ainda que se continue a sentir a falta de capacidade". No que respeita ao transporte rodoviário, "tem-se verificado alguma estabilidade, mas este é um tipo de transporte normalmente intracomunitário".

"Recentemente, tem-se verificado uma subida dos preços (...) necessária para fazer face ao brutal aumento nos preços dos combustíveis e também à falta de motoristas. Infelizmente, o ferroviário não tem qualquer expressão", alerta.

Empresas em apuros
A escassez de pelo menos algumas matérias-primas deve manter-se ainda durante alguns meses, pelo que o Natal poderá sofrer certas condicionantes. A APAT não se atreve a fazer perspetivas para os próximos meses. "Quando o mundo parou por causa da pandemia, referi que parecia um filme de ficção científica, e o que estamos a passar agora é uma consequência desse mesmo cenário de filme. A pandemia pode ter as "costas largas", mas aparentemente há igualmente alguns aproveitamentos desta situação e enquanto o modo marítimo continuar a obter os resultados que tem obtido e continuamente a crescer, não vislumbro solução. Diz-se que no final de 2023 as coisas tenderão ao equilíbrio", aponta, acrescentando que não tem a certeza se isso irá de facto acontecer.

Perante o clima de incerteza, de subida de preços e por vezes de falta de contentores, a associação não esconde que há empresas em Portugal que podem não conseguir sobreviver. "As empresas de menor dimensão não têm a menor possibilidade de confrontar-se com os "gigantes dos mares"", assume.

"Além dos preços absurdos, surgem agora as reduções ou anulações dos prazos de pagamento, mais taxas e mais taxinhas que surgem do nada, tudo em nome de uma suposta maior rotatividade do equipamento. Está muito claro que os transitários não têm qualquer responsabilidade nessas paralisações, mas são eles que, num primeiro momento, são chamados à responsabilidade. Esta assunção de responsabilidade antecipada tem levado muitos empresários, transitários e exportadores, ao desespero", remata ainda António Nabo Martins.

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