Uso do telemóvel nas escolas: regular é preciso

A tecnologia - dos telemóveis aos tablets e computadores - tornou-se omnipresente na vida de crianças e jovens, com um impacto direto na capacidade de atenção. Perante isto, devem os mesmos ser regulados ou até proibidos nas escolas?
Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, e Célia Oliveira, psicóloga. Foto: Paulo Alexandrino/Global Imagens
Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, e Célia Oliveira, psicóloga. Foto: Paulo Alexandrino/Global Imagens
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Os dados da investigação são claros quanto ao impacto das tecnologias - sobretudo do telemóvel - ao nível cognitivo e comportamental dos mais novos. O modo como as escolas devem lidar com a omnipresente tecnologia foi o tema para a conversa entre Célia Oliveira, psicóloga e professora na Faculdade de Psicologia da Universidade Lusófona, do Centro Universitário do Porto, e Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, em mais um episódio do Educar tem Ciência, um projeto da Iniciativa Educação, em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo. 

No relatório sobre a relação dos jovens com a tecnologia que elaboraram a pedido de Emmanuel Macron, os cientistas franceses são claros: deve haver uma proibição total de ecrãs para crianças até aos três anos e os telemóveis só devem ser uma realidade a partir dos 11, sendo que o acesso à internet no telefone só deve surgir aos 13 e às redes sociais aos 15. Para Célia Oliveira, as preocupações expressas pelos investigadores vêm ao encontro do que a literatura científica tem revelado, nomeadamente, o efeito na atenção. “A híper conexão constante a que as crianças e jovens estão sujeitos é altamente distratora”, afirma a especialista, que destaca ainda o maior risco de cyberbullying, o uso problemático da internet e a dependência tecnológica, como outros dos problemas que lhe estão associados.

“Quando se fala de crianças mais pequenas - e também adolescentes - sabemos que as tecnologias têm um efeito de captura atencional”, alerta a psicóloga. Ao estarem constantemente expostos “a estímulos em sucessiva mudança” e ao reforço imediato garantido pela interação com as plataformas tecnológicas, os jovens correm um elevado risco de dependência, ao mesmo tempo que desenvolvem padrões de atenção que não se coadunam com a aprendizagem ou o desenvolvimento do pensamento crítico, continua.

“Cria um estilo de dependência em que a pessoa já não consegue prestar atenção a uma conversa durante dez minutos seguidos, porque tem sempre de estar a olhar para o telemóvel ou para o computador”, anui Nuno Crato, sublinhando a natureza intrusiva do telemóvel, que serve hoje uma miríade de funções que vão da comunicação ao cálculo, passando pelo acesso às redes sociais ou à captura de imagem e som.

Por sua vez, Célia Oliveira alerta para a fase de desenvolvimento da população infantojuvenil. “Estão numa fase de neurodesenvolvimento em que a neuroplasticidade é máxima, isto gera padrões cognitivos e comportamentais que se impõem a outras capacidades, nomeadamente à capacidade de autorregulação atencional, à capacidade de gerir a frustração, à capacidade de adiar a gratificação, à capacidade de autorregulação da nossa atenção e, consequentemente, do nosso comportamento”, elenca a psicóloga. Além do mais, a investigação mostra que são os alunos que já têm problemas de aprendizagem são os mais prejudicados pelo uso do telemóvel.

“Sabemos que as tecnologias são fundamentais no acesso ao conhecimento e podem ter um papel importantíssimo na própria aprendizagem. O problema está no uso e na forma do uso”, diz Célia Oliveira, que defende que haja uma reflexão sobre o uso dos telemóveis em contexto escolar e que esta reflexão seja informada pela ciência. Uma posição partilhada por Nuno Crato para quem, se as tecnologias não podem ser vistas pelas escolas “como o inimigo” também não devem assumir-se como a solução de todos os problemas. “A educação e a aprendizagem são sempre algo de conceptual. Se a tecnologia ajudar, que se use. Mas não constantemente”, defende. Uma postura que vai ao encontro do Relatório da UNESCO sobre a Monitorização Global da Educação, no qual se sublinha que a tecnologia deve estar ao serviço da aprendizagem e quando é pedagogicamente útil.

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