Ao ignorar a dor da família de Olímpio, Bolsonaro pode ter dado um tiro no próprio pé e corre o risco de criar uma inimiga de peso: Cláudia Bezerra Olímpio Gomes, a viúva do senador Major Olímpio Gomes.
Há pouco mais de dois meses estive com o senador Major Olímpio para uma conversa que dividi com os leitores deste diário. Um encontro que imaginei durar 40 minutos ocupou duas horas. Foi longo, assim como o relato, mas com Olímpio era difícil exercitar o poder de síntese. Detentor de muitas informações e com uma memória prodigiosa, recordava-se de pequenos detalhes e, a transitar por diversas frentes políticas, relacionava-se com todos os segmentos da sociedade.
Eu havia pedido que explicasse o que era o núcleo familiar do presidente Bolsonaro e de que forma agiam na política. Olímpio desceu a marreta. Bateu nos filhos, os definiu como ORCRIM - Organização Criminosa, alegou que as crises estão ligadas ao fato de serem homossexuais reprimidos pelo pai. Disse ter dúvidas se o próprio presidente Bolsonaro não teria sido abusado na infância ou no quartel. Isso explicaria sua repulsa a aceitar as diferenças de género, por exemplo. Olímpio era uma metralhadora giratória de calibre alto. "Tenho pena deles. Cada um dá o que tem de melhor. Temos de aceitar", afirmou.
Quando o ex-presidente Lula da Silva estava prestes a ser preso, Dilma Roussef, então presidente, o nomeou Ministro da Casa Civil para que tivesse foro privilegiado - que de seguida o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelaria. Entretanto, Olímpio infiltrou-se na cerimónia de posse lotada por membros do PT. Quando Dilma anuncia seu novo ministro, surge Olímpio a gritar: "Vergonha! Vergonha!". Levou um tapa no rosto de uma assessora de Dilma, ligada ao ex-ministro condenado por corrupção, José Dirceu. Mas deixou sua marca no evento.
Esse era o perfil de Olímpio, um senador de 58 anos de idade, casado, pai de um casal de filhos - citou-os várias vezes em nossa conversa a falar o quanto havia sido importante estarem próximos durante a pandemia: "meus filhos amados e minha mulher são o meu norte. Queria estar mais tempo com eles". Na política desde 2007, o senador acumulou experiência e marcou sua vida pública pelo discurso intenso com frases fortes, quase sempre em tom de enfrentamento. Antes disso fez carreira militar. Corporativista assumido, Olímpio lutava pelos benefícios dos policiais, por seus proventos, por melhores condições de trabalho. Mas suas ações alcançavam os demais eleitores por defender a segurança pública de maneira intensa.
Quando nos sentamos no café, Olímpio tirou sua máscara - que tinha estampada a bandeira do Brasil e uma frase de apoio à Lava Jato. Muitas pessoas que entraram no ambiente se aproximaram para cumprimentá-lo. Algumas sem máscara como ele. Imagino que em suas reuniões em Brasília devesse acontecer o mesmo. Há poucas semanas o senador esteve com um grupo de prefeitos de diversas cidades para discutir ações contra a Covid-19. Sua contaminação pode ter ocorrido nesse encontro, um pequeno descuido e já está. Seu assessor de imprensa também foi contaminado e ficou em estado grave. Mais jovem, já se recupera.
O governador de São Paulo, João Doria, desafeto político do senador, emitiu nota de solidariedade à família e amigos de Olímpio. A grande maioria dos políticos do Brasil fez o mesmo. O vice-presidente Mourão escreveu no Twitter: "Com pesar, solidarizo-me com a família e amigos do nosso Senador Major Olímpio, enviando-lhes minhas condolências. Força e fé". Na tevê o VP elogiou Olímpio por suas posições firmes e disse que gostava dele. Olímpio, em nosso encontro afirmou que ficara impressionado quando conheceu Mourão por sua gentileza, educação, disposição e abertura para ouvir a oposição. Alguns ministros seguiram o VP nas condolências à família, até mesmo os dois dos filhos de Bolsonaro, desafetos de Olímpio postaram suas condolências.
Responsabilizado por Olímpio pela crescente onda de contaminação no país, por seu incentivo ao desrespeito às regras de isolamento e por sua insistência em não usar máscaras, o presidente Jair Bolsonaro não emitiu nota alguma. Nenhuma declaração. Previsível como sempre, não foi capaz de nos surpreender de novo. Ao contrário, no dia da morte de Olímpio entrou com uma ação no STF para barrar medidas de isolamento tomadas por governadores em três Estados.
Surpresa mesmo ele terá se Claudia Olímpio Gomes, viúva do senador, entrar com pedido de abertura de um processo de impeachment a responsabilizar o PR pelo descontrole na Pandemia, de tabela pela morte do marido e de todos os demais brasileiros pela suposta "gripezinha", conforme definiu Bolsonaro. Um negacionista da vacina, responsável por diversas cenas de aglomeração de populares e da ausência de política nacional de combate ao vírus. Há grandes juristas que adorariam abraçar essa causa e seria difícil para o presidente do Congresso "engavetar" mais esse pedido sem apresentá-lo aos seus pares. Sobretudo por conta do número diariamente crescente de mortes que assolam o país. A falta de insumos nos hospitais, o colapso que vive a saúde em todas as cidades. Neste domingo no Brasil morreram 3 pacientes de Covid-19 a cada 2 minutos.
Olímpio morreu, que Deus o acolha, mas Cláudia está viva e pode se tornar uma pedra no sapato de Bolsonaro. Saberemos em alguns dias.
Jornalista designer brasileiro