39% do PRR está num estado de execução "preocupante" ou "crítico"

Nova apreciação global da Comissão de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência revela que, dos 103 investimentos analisados, 30% estão num ponto "preocupante" e 9% em estado "crítico" em termos de progresso exigido pelas regras de Bruxelas. Mas, pela primeira vez, há investimentos "concluídos", 5% do total.
Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR. Fotografia: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR. Fotografia: Reinaldo Rodrigues / Global ImagensReinaldo Rodrigues / Global Imagens
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O progresso na execução ou concretização das reformas e dos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está a complicar-se. Face às metas oficiais definidas para a execução da medidas previstas, há atualmente 39% de investimentos que registam um nível de progresso "preocupante" ou mesmo "crítico", revelou a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR), no quarto relatório de apreciação sobre o enorme plano de investimentos.

Há cerca de seis meses, na avaliação anterior da entidade presidida por Pedro Dominguinhos, preocupavam ou estavam num ponto crítico cerca de 26% dos investimentos.

O envelope do PRR português, um plano de apoios europeus (subvenções e empréstimos) lançado na sequência da pandemia (em 2021) para ajudar a relançar as economias europeias na sequência da pandemia covid-19, está avaliado, no caso nacional, em 22,2 mil milhões de euros, mas as metas que têm de ser total e corretamente executadas a par e passo (para a Comissão Europeia ir libertando os pagamentos de verbas, que vêm em tranches), e tudo isto até meados (agosto) de 2026, no máximo, de modo a que o país não desbarate estes fundos extra (que correm em cima dos fundos europeus clássicos) que lhe estão reservados.

Em conferência de imprensa, no Campus APP, em Lisboa, o economista e líder da referida Comissão, Pedro Dominguinhos, apresentou o quarto relatório de acompanhamento dos progressos do PRR (link aqui, abre em pdf), "um documento que analisa os desenvolvimentos ocorridos desde a publicação do último relatório, em novembro de 2023, até final de junho de 2024".

"Para este relatório foram acompanhados 103 investimentos ou medidas", diz a CNA.

A apreciação qualitativa que faz agora "tem por base a análise da execução até final de junho de 2024, incluindo as visitas e reuniões efetuadas desde novembro de 2023, bem como recolha de informação efetuada junto dos diferentes beneficiários diretos e intermediários, bem como dos ministérios da tutela".

"Alguns investimentos foram apreciados com base em documentação disponibilizada pelos beneficiários intermediários ou diretos, situação que se encontra referenciada nos relatórios das comissões especializadas" e "em cada componente e investimento analisado apresentam-se as apreciações e as recomendações".

A primeira grande conclusão é que, nesta apreciação global, dos 103 investimentos, medidas e submedidas, um terço (33%) está "alinhado com o planeamento", em 23% dos casos é “necessário acompanhamento", 30% dos investimentos estão num ponto de progresso "preocupante" e 9% em estado "crítico" (9%), diz o novo estudo.

Cinco concluídos

No entanto, neste que é o quarto relatório de acompanhamento, "aparecem pela primeira vez investimentos "concluídos": são 5% do total (dos 103 considerados), indica a comissão.

Segundo o relatório, é o caso de: 1) Programa Saber Fazer, no âmbito da componente Património Cultural; 2) do projeto de Desmaterialização da faturação e Selos de certificação (componente Catalisação da Transição Digital das Empresas); 3) Academia do Arsenal do Alfeite; 4) Meios de prevenção e combate a incêndios rurais – Variante do subinvestimento em meios terrestres; e 5) Meios de prevenção e combate a incêndios rurais – variante investimento em rede de radares.

Em todo o caso, há mais investimentos alinhados com o previsto

Em novembro do ano passado, quando a CNA divulgou o terceiro relatório de acompanhamento, o quadro geral aparecia como menos "preocupante", por assim dizer.

Na altura, foram analisados/acompanhados 92 investimentos, dos quais 23% tiveram nota "preocupante" e 3% foram considerados em estado "crítico", contra os já referidos 30% e 9%, respetivamente.

No entanto, no extremo oposto desta escala de avaliação, a proporção de investimentos "alinhados com o planejamento" é maior agora (no final de 2023 estava em 29% contra 33% hoje) e, como referido, não havia investimentos concluídos, quando hoje há cerca de nove (equivalente a cerca de 9% do universo de uma centena de projetos analisados).

"Estas apreciações refletem os progressos dos investimentos inseridos no PRR, de acordo com as metas e os marcos definidos e respetiva calendarização. Não avaliam, portanto, o potencial transformador de cada um, nem tão pouco os resultados ou impactos que possam, ou não, gerar", diz a CNA.

"Esta é, no entanto, uma tarefa de crucial importância, a que a CNA-PRR faz referência nas suas recomendações" e que, defendeu Pedro Dominguinhos, terão de ser outras entidades fazer, não a CNA, para aferir resultados efetivos e futuros impactos financeiros e económicos que advenham destes novos investimentos estruturantes do PRR.

Seja como for, a CNA deixa um grande aviso à navegação: "No período objeto de análise neste relatório existiu o lançamento de um conjunto de novos avisos, fruto da reprogramação aprovada em outubro de 2023" e neste momento "estão aprovados mais de 18 mil milhões de euros em investimentos".

"Apesar deste valor significativo, faltam ainda lançar alguns avisos para investimentos que implicam seleção de beneficiários finais o que, face ao tempo de execução que resta, exige uma execução muito célere."

Problema sério: "Para além do lançamento destes avisos, existe ainda um volume significativo de obra pública, em particular na área da habitação, saúde e educação, que pode chegar aos 2 mil milhões de euros, cujos concursos serão lançados nos próximos meses".

Segundo a Comissão de Acompanhamento, "esta é uma área particularmente sensível, exigindo capacidade de resposta por parte das empresas de construção civil, onde as dificuldades de recrutamento de mão-de-obra, em Portugal e no estrangeiro, são uma realidade, e podem colocar em causa a meta final de junho de 2026". Aliás, "esta foi uma preocupação manifestada pela AICCOPN – Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas - em reunião realizada com a CNA".

Na conferência de imprensa desta quarta-feira, na antiga sede da CGD, o presidente da CNA acompanhou assim os avisos dos construtores civis, assinalando que "parte significativa dos recursos humanos que trabalham na construção é estrangeira". 

Neste sentido, recomenda a definição de mecanismos “céleres” na concessão de vistos de trabalho e/ou residência, exemplificando que empresas na área do “turismo e construção que têm pessoas identificadas em diferentes países”, como Marrocos e Cabo Verde”, mas “estão a demorar meses a conseguir trazer esses trabalhadores para cá”.

Dominguinhos partilhou assim críticas e alertas recentes do presidente da Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).

Em entrevista à Lusa, Manuel Reis Campos disse que as empresas do setor estão a “enfrentar dificuldades acrescidas na contratação de trabalhadores estrangeiros”, devido às “recentes alterações à Lei de Estrangeiros” (alteração ao Decreto Regulamentar da Lei de Estrangeiros, para os migrantes que querem viver em Portugal).

"Já era um problema crítico”, agora está pior, estimou o responsável empresarial, dizendo que o défice de mão de obra pode rondar "80.000 profissionais" e que esta alteração feita pelo novo governo PSD-CDS veio "aumentar a rigidez e a morosidade dos processos de legalização, exacerbando a escassez de mão-de-obra qualificada" na construção, defendeu Reis Campos.

Hospitais em estado crítico

Ponto crítico 1. É no setor da Saúde pública que estão alguns dos grandes nós por desatar do PRR.

A comissão nota com preocupação acrescida "o atraso nas obras de construção dos Hospitais" que "obrigou à renegociação e à alteração do investimento para aquisição de equipamento".

"No caso de aquisições de equipamentos para o Hospital do Seixal, esses investimentos foram transferidos para outros hospitais que servem a mesma população, tendo em conta o atraso na sua construção" e "no caso do Hospital de Proximidade de Sintra, as aquisições estão a ser efetuadas pela SPMS e Hospital Fernando Fonseca, o que apresenta uma situação de financiamento PRR a uma parceria público-privada (PPP)".

Problema: segundo a Comissão, "face à situação de grande complexidade relaciona-se com este investimento e os atrasos identificados, considera-se este investimento como crítico" em termos de progressos registados.

"Não é possível outra recomendação, para além da necessidade evidente de um acompanhamento do mesmo por parte da tutela, com a articulação de todas as entidades envolvidas. A probabilidade de incumprimento da meta PRR, face às situações relatadas é real, sendo de acrescentar os riscos que naturalmente devem ser considerados para obras desta natureza e magnitude", diz a mesma entidade avaliadora.

Este "marco" que corresponde ao investimento equipamento para os hospitais de Lisboa Oriental, Seixal e Sintra é suposto vir a receber verbas avultadas por altura do 10º pedido de desembolso (dezembro de 2025), tendo de estar o investimento feito até ao final do segundo trimestre de 2026.

"Este investimento tem como objetivo alavancar o reforço da rede hospitalar numa região altamente pressionada, principalmente nas áreas suburbanas, altamente povoadas e na sua maioria mais constrangidas social e economicamente, através da aquisição de equipamentos para o Hospital de Lisboa Oriental e para os hospitais de proximidade do Seixal e de Sintra", recorda o novo estudo.

Obras do Metro em Lisboa em estado crítico

Ponto crítico 2. A expansão da rede do Metropolitano de Lisboa, da linha vermelha, uma obra que prolongará a rede com mais 3,7 quilómetros de linha e quatro novas estações (Campolide/Amoreiras, Campo de Ourique, Avenida Infante Santo e Alcântara), também está em maus lençóis.

O presidente da CNA destacou o ponto "crítico" em que se encontra o investimento no quadro dos apoios do PRR que pretende receber.

"Recomenda-se o acompanhamento da situação já identificada de impossibilidade de cumprimento do prazo pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal, garantindo a sua antecipação junto da Comissão Europeia e a procura de soluções que mitiguem a situação, sendo necessária uma intervenção rápida".

Para o responsável, tendo em conta o que está feito e que o prazo de execução da obra definido em contrato é final de 2026, "pensamos que dentro dos prazos conhecidos é materialmente impossível a sua concretização".

Na conferência de imprensa, Dominguinhos recordou que este investimento "já sofreu duas impugnações judiciais, que neste momento estão dirimidas, e desde maio a obra está no terreno". No entanto, não têm faltado percalços.

"É um investimento sobre o qual recaem nesta data dúvidas fundadas sobre a sua possibilidade de finalização", isto é, haver comboios a circular com passageiros até 31/12/2026", aponta o novo relatório.

Mas o responsável não dá tudo como perdido. Pode haver uma solução, um género de plano B para o financiamento do metro. Segundo o economista, a Comissão Europeia disse que "é possível a substituição total ou parcial de alguns investimentos, que terá de aprovar, podendo ser substituídos por outros investimentos". O presidente da CNA acredita que tal "pode ter de ser feito neste caso".

A CNA diz ainda que "apesar deste ser um investimento que está ancorado em empréstimo e não subvenção, o facto de já ser clara esta quase impossibilidade de cumprimento da meta, é imprescindível que, quer a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, quer o Governo, equacionem a decisão a tomar".

Ponto crítico 3. Também metro, mas a norte de Lisboa, outro investimento que inspira muitos cuidados é o do "Metro Ligeiro de Superfície Odivelas-Loures". Segundo a CNA, também está em estado "crítico". Assim se mantém por neste momento (com a informação disponível até final de junho de 2024) ainda "se encontrar em fases pré-concursais".

Acessibilidades para deficientes "sem execução"

Ponto crítico 4, ou seja, outro projeto em risco de cair borda fora do PRR se nada for feito: o programa “Acessibilidades 360º".

Esta medida tem como objetivo melhorar as acessibilidades para pessoas com deficiência nas vias públicas e nos espaços públicos, edifícios públicos e habitações, diz o governo.

Segundo a CNA, "para além da demora na avaliação das candidaturas, que tem caracterizado este investimento, quanto mais tempo passa sem execução, menor é a probabilidade de execução das obras em tempo, quer por desmobilização dos promotores, quer porque há cada vez mais solicitações para obras maiores, escasseando empreiteiros para estas de menor valor. Esta pressão na construção civil também propicia um aumento nos respetivos orçamentos".

Assim, o avaliador considerou que teve de "agravar a apreciação deste investimento para crítico".

Novas tecnologias, atrasos antigos

Em estado crítico estão também vários investimentos de proa na área das novas tecnologias que estão a contar com dinheiro do PRR.

Os atrasos mais graves afetam investimentos em internet e redes de wi-fi nas escolas, hubs de inovação empresariais, nas ligações digitais entre empresas.

Ponto crítico 5. No investimento da transição digital na Educação, "existem riscos muito elevados na concretização dos investimentos relacionados com as provas digitais e com a ampliação da rede local das escolas (wi-fi) que face ao calendário e metas definidas se revelam críticos", avisa a CNA.

Ponto crítico 6. No projeto de apoio a micro e pequenas empresas (PME) por entidades especializadas - "aceleradoras de comércio digital", no qual está prevista a atribuição de 12.500 vouchers (subsídios), até setembro próximo, a situação é "crítica" pelo que a CNA recomenda "a máxima celeridade na adaptação da plataforma e disponibilização de acessos à Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), "especial atenção para reforçar a estrutura de apoio de informática do IAPMEI, para garantir o apoio às entidades externas" e "a atualização contínua das regras, FAQ [Perguntas e Respostas Frequentes] e outras normas; respostas rápidas aos promotores; e realização regular de reuniões com as aceleradoras, sendo importante um ponto de contacto privilegiado", entre outras recomendações.

Se este projeto não anda e recupera do grande atraso em que se encontra, 12.500 PME não vão receber o apoio previsto, em setembro que vem, para serem mais digitais nos seus negócios.

Segundo o PRR, a ideia é que cada empresa elegível e interessada em crescer na sua capacidade digital "terá acesso a um voucher até 2.000 euros em serviços especializados [fornecidos pela referidas aceleradoras de comércio gigital] para acesso à implementação de soluções digitais (a valorização de cada serviço é identificada no catálogo, sendo disponibilizado em espécie)".

Ponto crítico 7. Também nas escolas, o projeto dos centros tecnológicos especializados (CTE) é outro dos que está virtualmente parado. Este investimento consiste em "reequipar e robustecer a infraestrutura tecnológica dos estabelecimentos educativos, com oferta de ensino profissional através da aquisição de equipamentos, permitindo a modernização e/ou criação de 365 CTE".

Problema: "a execução material e financeira dos CTE, a par das dificuldades apresentadas pelos beneficiários, faz com que se agrave a apreciação deste investimento para crítico".

Em todo o caso, a Comissão de Acompanhamento "reconhece o acompanhamento mais próximo que este investimento está a merecer neste momento por parte do Ministério da Educação, Ciência e Inovação e o plano de ação apresentado, cujos resultados só será possível apreciar em próximo relatório".

Ponto crítico 8. O projeto "Catalisação da Transição Digital das Empresas" na sua dimensão "Digital Innovation Hubs", um investimento que visa criar 16 hubs (centros) focados em "três tecnologias disruptivas: IA [Inteligência Artificial], HPC [High Performance Computing] e Cibersegurança" parece estar noutro impasse.

"Apesar de a Agência Nacional de Inovação (ANI) ter iniciado um trabalho meritório de acompanhamento de proximidade e com a preparação de documentação detalhada, a realidade é que este investimento encontra-se com grandes atrasos e gera preocupação", estando assim num ponto "crítico". O atraso é grande porque se trata de um investimento previsto logo para o arranque do PRR, devia ter sido concluído no final de 2021, logo por altura do pedido do primeiro pagamento de verbas. Não aconteceu, até agora.

Ponto crítico 9. Finalmente, a "eficiência energética em edifícios de serviços". É um investimento em estado crítico à luz do que pede o PRR e "face ao tempo que já passou e às sucessivas indicações de que se estão a terminar as avaliações das candidaturas". É motivo de "preocupação", assume a CNA.

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