Para nós há algo que é óbvio: se a Renfe se prepara para operar em Portugal, a CP também tem de se preparar para operar em Espanha. É assim num mercado aberto, é assim numa CP com ambição.”.Foi desta forma que o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, abriu as portas do estrangeiro à transportadora ferroviária pública portuguesa, num debate parlamentar no passado dia 10 deste mês. No entanto, há uma longa viagem a percorrer até haver um comboio da CP a circular para lá de Badajoz. A empresa ferroviária necessita de ter material circulante adequado, pessoal formado, várias autorizações e, no final, horários disponíveis para a realização de serviços..Atualmente sem autorização própria, a CP tem comboios em Espanha em situações especiais: entre Porto e Vigo, o comboio tem o logótipo da empresa portuguesa, mas é feito em parceria com a congénere espanhola (Renfe); entre o Entroncamento e Badajoz, o material português só chega à Estação da Estremadura espanhola porque beneficia de uma exceção - para se comprar o bilhete em Badajoz, só mesmo junto do revisor a bordo do comboio..Na semana passada, o presidente da CP, Pedro Moreira, indicou que a empresa entraria em Espanha no âmbito da alta velocidade. A transportadora, no entanto, também pode apostar nos serviços convencionais..A homologação do material circulante é o primeiro passo. Na frota da CP, as antigas carruagens Arco, por exemplo, surgem como as candidatas naturais: foram compradas à Renfe em meados de 2020 por 1,5 milhões de euros. As 50 unidades têm sido recuperadas nas oficinas de Guifões e, para já, estão confinadas ao serviço inter-regional na Linha do Minho. Para circularem em Espanha, estas carruagens têm de obter nova certificação pela Agência Ferroviária da União Europeia (ERA, na sigla original), que desde final de 2020 concentra todos os pedidos..O sistema de apoio à condução é outro desafio para a CP em Espanha: o ASFA é o equipamento instalado no comboio e que está constantemente a verificar se o comboio segue dentro da velocidade prevista, através da leitura de balizas instaladas na rede ferroviária - em Portugal, o sistema é o Convel. Nas novas linhas ferroviárias já será instalado o sistema europeu de apoio à condução (ETCS). Na atual rede, a migração será feita de forma pro- gressiva até 2050..Até lá, ficam dois exemplos em linhas ferroviárias convencionais: se a CP quiser fazer um comboio entre Guarda e Salamanca, o material circulante tem de ter instalados a bordo dois sistemas, mesmo que a linha esteja eletrificada com a mesma tensão (25 mil volts) e que a bitola seja a ibérica. Espera-se que a partir do próximo ano um comboio elétrico já possa circular entre a fronteira portuguesa e Salamanca..Se a ideia é fazer um comboio entre Porto e Vigo, a tensão no percurso espanhol é de três mil volts, o que obriga a ter material bitensão..Entrando em Espanha, maquinistas e revisores ao serviço da CP têm de saber castelhano falado e escrito de Nível 2. Também é necessário que o pessoal tenha formação na regulamentação da rede ferroviária local, sob gestão da ADIF..Pôr comboios em Espanha implica igualmente que a transportadora portuguesa obtenha um certificado de segurança, que pode ser obtido de duas formas: exclusivamente para o país vizinho, tem de solicitar o pedido junto da Agencia Estatal de Seguridad Ferroviaria, o equivalente à portuguesa Agência Nacional de Segurança Ferroviária, sob tutela do Instituto da Mobilidade e dos Transportes; se a CP quiser obter o certificado para Espanha e renovar a autorização para Portugal, tem de tratar do pedido junto da agência ERA..Concluídas estas etapas e já depois de mostrar o plano de contingência, a CP pode pedir para entrar na rede ferroviária espanhola e concorrer com outros operadores. No entanto, este direito pode ser limitado nos percursos em que a entrada de um novo operador possa pôr em causa o equilíbrio económico do contrato de serviço público entre o Estado espanhol e a Renfe..Isto não se aplica, por exemplo, às linhas de alta velocidade, o principal objetivo de uma eventual entrada da transportadora lusitana no mercado espanhol e em resposta a uma provável vinda da Renfe para a rede ferroviária portuguesa..Não é, no entanto, a primeira vez que se fala numa possível internacionalização da CP. Em fevereiro de 2017, a transportadora submeteu à tutela uma proposta para comprar cinco comboios para circular até 250km/h em terras espanholas. Cada uma das automotoras custava, na altura, 17 milhões de euros (no total de 85 milhões de euros) e permitiria fazer percursos em linhas com diferentes bitolas, diferentes sistemas de tensão e mesmo em linhas não-eletrificadas. A CP pretendia substituir o comboio noturno Lusitânia pelos serviços diurnos Lisboa-Madrid e Porto-Madrid, além da troca do Porto-Vigo em comboio diesel pelo serviço Porto-Santiago de Compostela-Corunha.