A aprovação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), na quinta-feira, abre caminho para que os carros usados importados de países da União Europeia (UE) passem a ter, no Imposto Sobre Veículos (ISV), um tratamento igual ao dos veículos novos matriculados pela primeira vez no país. A medida porá fim à litigância contra o Estado no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e tenderá a beneficiar o consumidor, porque deixa de ser penalizado se comprar um usado importado da UE. Assim, novos ou velhos, vai assistir-se à entrada de mais carros usados no país..Com exceção dos veículos plug-in importados, não está em causa uma alteração na fórmula de cálculo do ISV “na sua estrutura” para os carros importados, de acordo com o secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (Anecra)..“O que irá acontecer é que o Estado português, ao nível das tabelas de desconto do ISV, denominadas tabelas D, relativas aos carros usados importados, irá suprimir, finalmente, a dualidade de tratamento relativamente à questão da desvalorização a considerar do veículo usado importado, tendo em conta que as duas tabelas existentes - a da cilindrada e a ambiental - apresentavam temporalidades diferentes para um mesmo numero de escalões, ou seja, uma apresentava uma abrangência de dez anos e a outra de quinze anos, para os mesmos valores de taxas”, explica Roberto Gaspar..A partir do próximo ano, adianta o responsável, passa “a haver somente uma tabela de descontos, relativamente à desvalorização a considerar nos veículos usados importados”..Quer isto dizer que o governo vai harmonizar o tempo de uso considerado para a aplicação da percentagem de redução relativa às componentes cilindrada e ambiental para os carros usados importados da UE. Além disso, os proprietários deixam de ter de pagar uma taxa para pedir um novo cálculo do ISV quando discordam da liquidação emitida pela alfândega..O ISV é calculado em função da cilindrada e das emissões de dióxido de carbono (CO2) e pago apenas uma vez, quando se compra o carro. Dependendo no número de anos de utilização do carro, o valor do impostopode reduzir-se. Mas, no caso dos importados da UE, nos últimos anos, o cálculo do ISV não considerava a idade do veículo, disparando o valor final a pagar..Roberto Gaspar refere que “diversas” queixas foram apresentadas no TJUE perante o tratamento diferenciado que existia e que a medida do governo surge após o TJUE ter avisado o Estado “que não é legal tratar a questão da desvalorização do veículo usado importado de maneira diferente, quando se trata do mesmo fim, a determinação do valor do ISV”..“Anteriormente, a diferença de tratamento fiscal entre carros importados e nacionais gerava uma discriminação que dificultava a livre circulação de bens e colocava Portugal em desacordo com o mercado europeu”, contextualiza Filipe Grilo, professor de economia da Porto Business School..Foi a reforma fiscal de 2007 “que introduziu a componente ambiental no ISV, considerando as emissões de CO2”, recorda Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP). Em 2021, relembra ainda Roberto Gaspar, da Anecra, foi criada a tabela de descontos da componente ambiental para os carros usados importados. “Com dez escalões, tal como na tabela da componente cilindrada, iniciando o primeiro escalão desde o momento zero de antiguidade do carro e tendo como teto máximo de desconto [leia-se desvalorização] o valor de 80%”, detalha o responsável, notando que as as tabelas foram criadas para “responder às questões essenciais sobre discriminação da concorrência que havia pendentes sobre este assunto no TJUE contra Portugal”..No entanto, em 2021, Portugal criou um problema referente à referida temporalidade das tabelas das componentes cilindranda e ambiental. “Desta forma Portugal passou a ter dois pesos e duas medidas no tratamento da desvalorização do carro importado, um problema logo detetado pelos operadores e consumidores nacionais”..Fim do poluidor-pagador.A situação será, agora, corrigida com o OE2025. Para Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), que realça que o Código do ISV “já foi alterado 28 vezes, sendo as alterações, na sua maioria, centradas nas tabelas”, o argumento dos sucessivos governos, até agora, “era de que deveria existir uma lógica de ‘poluidor-pagador’, não concedendo as mesmas vantagens de redução do imposto na tabela de CO2 que eram aplicadas na componente de cilindrada”..Afonso Arnaldo, partner da Deloitte para a área dos impostos indiretos, simplifica o tema: “Hoje em dia os carros mais velhos pagam sempre mais ISV do que os carros mais novos. Ou seja, quanto mais velho é o carro mais ISV se paga. É uma penalização. Com a alteração, o carro mais velho pagará menos ISV do que um carro mais novo [no caso dos usados importados da UE]”..O especialista comenta que no documento do OE2025 não está justificada a alteração, mas traça uma hipótese: “Um carro mais velho polui mais em teoria, porque terá uma tecnologia menos avançada e poderia haver a perspetiva de agravar mais a sua tributação. Por outro lado, diz a estatística, que tendencialmente, um carro usado terá menos anos de utilização pela frente e pagar mais ISV do que um novo poderia causar alguma injustiça fiscal. Se se tratasse do IUC a questão era diferente, porque se paga todos os anos, enquanto o ISV paga-se uma só vez. E aqui não entra apenas a questão ambiental. Este é um imposto também sobre a aquisição da viatura e poderia haver maior injustiça sobre quem compra um carro que vai durar menos, estatisticamente”..Mais entradas de usados.A questão que se impõe é se a medida terá consequências no mercado automóvel, nomeadamente nos preços finais..O líder da Anecra, Roberto Gaspar, sublinha que a questão da correção do ISV para importados usados não é “essencial” para a dinâmica do mercado ou preços, uma vez “que a compra e venda dos veículos usados depende de tantos outros fatores”, destacando o nível de “emprego/desemprego, o poder de compra ou a confiança geral na economia”, numa visão macroeconómica. Já “o poder de compra, preço dos carros novos e semi-novos, o acesso ao crédito, a disponibilidade de carros, os incentivos à compra são alguns dos fatores microeconómicos importantes que estão presentes no processo de decisão”..Quanto a preços, assevera que “o preço médio de um carro usado em Portugal é muito variável” e que, atualmente, o mercado de usados caracteriza-se por um enorme excesso de oferta face à procura, ao contrário do que se passou há alguns anos”. “Assim, os preços dos usados tendem a descer, o que não quer dizer que não possa aumentar nalguns modelos específicos”, considera..Afonso Arnaldo admite “que poderá haver algum” ajuste em termos de preços finais praticados, mas nota que “a maior parte dos carros vendidos em segunda mão são carros já matriculados em território nacional”, e não usados importados..“A ACAP não pode comentar a oscilação de preços, o que podemos adiantar é que esta alteração levará a um aumento na entrada de veículos usados”, responde Helder Pedro, indicando que, em 2023, foram matriculados 109 587 veículos no país, “sendo que destes, 67% são veículos novos”. Detalha ainda que “os carros usados que chegam a Portugal provenientes de outros Estados-membros da UE têm uma idade média de 7,9 anos e são, na sua esmagadora maioria, movidos a gasóleo”..Segundo a Anecra, Alemanha, França, Bélgica, Países Baixos e Espanha, são os principais países de onde Portugal importa carros usados. No entanto, a entidade diz que não há dados sobre o volume de negócios global do mercado nacional de compra e venda de usados. Contudo, Roberto Gaspar assegura que “há muito mais comercialização de carros usados, quer entre operadores do ramo ou com consumidores finais, do que comércio de carros novos”. “Não se pode falar num número final, pois a contabilização dos registos e transferências de propriedade dos veículos, em Portugal, não separa devidamente as transferências entre operadores das transferências para o consumidor final. Contudo, face a estudos efetuados e a indicadores diversos, há a convicção de que se vende entre 3 a 4 carros usados por cada carro novo”, revela Roberto Gaspar..Filipe Grilo destaca, por outro lado, que a medida “poderá até ter um efeito positivo nas contas públicas, pois elimina gastos com processos judiciais e reduz a carga sobre os tribunais e centros de arbitragem, diminuindo custos administrativos para o Estado”..O professor da PBS diz ainda que “não há perda de receita [fiscal] porque ela já não deveria estar a ser cobrada pelo Estado, e parte dela até estava a ser devolvida devido às decisões judiciais [do TJUE]”, e que a medida “beneficia os consumidores, tornando o cálculo do ISV mais transparente e uniforme”..“Agora, com um tratamento fiscal equivalente para todos os carros, o custo do imposto deixa de depender da origem do veículo, tornando os carros importados mais competitivos e potencialmente mais baratos. Como consequência, esta maior atratividade dos veículos importados deverá pressionar os vendedores de carros nacionais a reduzir os preços para responder ao aumento da concorrência, o que pode beneficiar ainda mais os consumidores”, conclui..ISV dos automóveis plug-in.Roberto Gaspar, da Anecra, destaca ainda que a proposta de OE2025 tem outra novidade para o ISV, neste caso dos veículos plug-in importados. “Não terão por base inicial a taxa normal de ISV, mas uma taxa Intermédia de apenas 25% da taxa normal aplicável aos automóveis de passageiros”. Mas apenas para os carros matriculados noutro país da UE entre 1/1/2015 e 31/12/2020, “e cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros”.“Poderá ser benéfico para a estrutura da composição da importação dos carros usados, de modo a se importar veículos mais amigos do ambiente”, com tecnologia recente em detrimento de veículos com propulsores térmicos convencionais”, explica.