A crise é dos pais, não é dos adolescentes

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Da mesma forma que existem guias detalhados sobre as várias etapas da infância, deveriam existir guias detalhados sobre as várias fases da adolescência. No entanto, a esmagadora maioria do que se escreve e publica sobre adolescência é focado nas crises. A adolescência, ao que parece, é uma crise imensa. Uma crise estrutural onde não há troika que valha.

Ao contrário da entediante - e de alguma forma imatura - crise da meia idade, a crise da adolescência tem variantes. Pode ser uma crise de borbulhas, de roupa, de afirmação opinativa, de namorados, de dietas, de rebeldia, de aparelho de dentes, de cabelo, de redes sociais, de aproveitamento escolar, enfim, a lista é enorme. Há adolescentes que acumulam mais ou menos crises, mas não há adolescentes sem crises. É um tema delicado, sabemos bem, e quem quiser saber mais sobre ele deve comprar um livro. Mas aquilo que me traz à problemática da adolescência não são as crises, é a ausência de literatura publicada, de investigação, sobre as várias fases dos adolescentes.

Por exemplo, sabemos que as crianças começam a andar com um ano, mais coisa menos coisa, e a falar aos dois. Sabendo isto, conseguimos ter alguma previsibilidade em relação ao crescimento dos filhos, o que nos conforta. Agora, alguém sabe com que idade é suposto os nossos adolescentes beberem álcool - mesmo que seja às escondidas? E fumar? Ou namorar? Quando é que devem começar a sair à noite? E qual o limite de horas para um adolescente de 14 anos chegar a casa? Devemos conhecer todos amigos dos nossos filhos? Em que casas podem eles dormir, qual é o critério? Redes sociais: quais, quando, com que controlo? Não faço ideia.

Desconfio que a resposta que vos ocorre depois desta catadupa de perguntas é "depende de miúdo para miúdo". Obrigada. Mas essa é a resposta fácil, a preguiçosa. Aquilo que precisamos de saber é qual o intervalo de tempo, tal como temos com as fases da infância. Um número. Conheço casos para todos os gostos e em minha casa, as regras mudam mais rapidamente que as leis da República. Também aqui não há coerência nem estabilidade.

É urgente ter respostas. Álcool, namorados/as e cigarros: a trilogia maldita dos pais, a verdadeira prova, a experiência mais próxima de guerra que se pode viver sem armas de fogo. Nenhum pai e nenhuma mãe estão preparados para enfrentar este eixo do mal. E se há pais que estão, façam o favor de se apresentar porque queremos conhecê-los e estudá-los. Aqueles pais do tipo "ah, mas o meu filho não é desses", não ajudam ao esclarecimento destas questões. E, já agora, ficam esses pais a saber que os adolescentes são quase todos "desses". Um adolescente, por definição, é asneirento, quer fazer todas as asneiras o mais cedo possível e obedece à dinâmica de grupo como um gnu segue a sua manada. Enganar pais faz parte do crescimento. Também já tive filhos que "não são desses". Não é bonito. E quanto a "O meu filho conta-me tudo", das duas uma: ou o filho é um génio da manipulação ou um traidor da sua manada. As crianças contam tudo, os adolescentes escondem tudo. Assim é que deve ser. Desconfiem, meus caros, desconfiem sempre.

Apelo então a quem saiba muito mais sobre isto do que eu, aos pais em geral, que nos ajudem com a publicação do devido guia. Tipo: "Álcool, início entre os 14 e os 16; duas a três cervejas de cada vez no princípio, uma bebedeira traumatizante antes dos 16 (para se assustarem). Sempre às escondidas e de noite. É normal." E por aí fora.

Não precisamos de mais informação sobre as crises da adolescência, precisamos é de informação para sairmos da crise que vivemos com os adolescentes. Ajudem-nos.

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