A frase "à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta" imortalizou-se na sequência do divórcio entre Júlio César e Pompeia, a sua segunda mulher. Para além de refletir uma inesperada postura de marketing, numa época em que o mesmo ainda não tinha sido criado, a célebre frase evidencia a responsabilidade acrescida, em termos de imagem, de quem está sujeito ao escrutínio da opinião pública..Apesar de o Império Romano nos fornecer sobejos exemplos de que a recomendação foi inúmeras e demasiadas vezes esquecida, a verdade é que ela, sendo de uma atualidade espantosa, deveria ser mais vezes recordada por quem nos governa. E o mês da silly season foi fértil nesse tipo de casos. Vejamos apenas dois deles..Logo no dia 1 de agosto, em entrevista dada à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, afirmou que o aumento da energia elétrica poderia chegar aos 40% nos próximos meses. Todos sabemos como o Governo reagiu: António Costa fez uma birra ao estilo de "quem se mete com o PS leva", dando indicações para a publicação de um despacho que foi por muita gente considerado discriminatório em relação à empresa liderada por Ribeiro da Silva. O que, aliás, levou o Presidente da República a, mais uma vez, dar a mão a Costa, esclarecendo que se tratava de um despacho meramente "interno"..Entretanto, já nesta semana a EDP e a Galp informaram que se preparam para aumentar os preços do gás de forma muito significativa. Face a estas informações seria de esperar por nova birra governamental. Mas não, avançou-se antes com um pacote de medidas de apoio às famílias mais desfavorecidas e aventou-se até a necessidade de entendimentos com o PSD para dar resposta a este enorme desafio..Totalmente de acordo. Mas como explicar então a inflamada reação às declarações de Nuno Ribeiro da Silva há pouco mais de três semanas? Não afirmo que o Primeiro-Ministro tenha má vontade em relação a Ribeiro da Silva pelo facto de este ter integrado governos do PSD nem tão-pouco que esteja a discriminar a Endesa pelo facto de ter capital espanhol. Mas uma coisa é certa: transmitindo a ideia de ter havido dois pesos e duas medidas, António Costa parece ter-se esquecido de que "à mulher de César não basta ser honesta"..Pelo meio, o país assistiu à novela da contratação de Sérgio Figueiredo para prestar serviços de consultoria estratégica especializada ao Ministério das Finanças. Como se sabe, essa possibilidade de contratação gerou uma onda de críticas por, alegadamente, representar o pagamento do favor de Figueiredo ter em tempos, e enquanto diretor de informação da TVI, contratado Fernando Medina como comentador daquela estação televisiva..Todos sabemos como isto acabou: com a renúncia de Figueiredo ao lugar para que tinha sido convidado ainda antes de ter assinado qualquer contrato. Também neste caso não vou fazer juízos de valor sobre a boa ou má-fé de todo este processo. Por isso, compreendo Sérgio Figueiredo quando afirma que foi "atingido pela manada em fúria, ferido por um linchamento público e impiedoso". Mas uma coisa é certa: foi Fernando Medina que se esqueceu de que "à mulher de César não basta ser honesta"..O problema é que não se trata de situações isoladas. A diferença entre o ser e o parecer está presente em inúmeros "casos" deste Governo. Desde a bronca do aeroporto protagonizada por Pedro Nuno Santos às dificuldades do SNS, há muita coisa que parece mas não é, e outras que são mas não parecem. Procurando ser sempre construtivo, deixo uma sugestão ao Primeiro-Ministro: volte a ser um líder, pois há demasiada gente, a começar pelo seu partido, a dizer que o Governo parece que anda à deriva..Professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School