Será possível isolar 146 milhões de pessoas e excluir o maior país do mundo de todos os sistemas globalizados? Estamos prestes a descobrir. Há uma cortina de ferro a descer sobre as fronteiras da Rússia, com consequências inimagináveis há apenas semanas. A mobilização do Ocidente contra a invasão russa da Ucrânia surpreendeu até os menos cépticos quanto à capacidade - e disponibilidade - para os países se unirem em sanções que vão claramente prejudicar toda a gente, não apenas a Rússia.
A expulsão de alguns bancos russos do sistema de comunicações bancárias SWIFT, o cancelamento de eventos desportivos, a retirada da Rússia de competições internacionais, o êxodo de empresas como a IKEA e tecnológicas como a Apple, Google, Microsoft, tudo isto faz parte de um cerco retaliatório desenhado para pressionar o Kremlin. É uma mostra vigorosa de que o Ocidente não aceita a agressão não provocada a um país soberano. É a resposta possível ao que está a acontecer sem escalar a violência no terreno.
Mas é, também, um movimento isolacionista que poderá ser difícil de reverter. O Kremlin, longe de reagir a esta pressão com sinais de recuo, parece estar a aproveitar a nova cortina de ferro para blindar o seu domínio doméstico. Alguma vez pensaram que o nono país mais populoso do mundo poderia exilar-se da World Wide Web, tal como a conhecemos? Já esteve mais longe de acontecer.
A censura exercida por Moscovo está a atingir níveis sem precedentes durante esta crise. A fúria autoritária que tornou crime referir-se à invasão da Ucrânia como invasão ou dizer que o conflito é uma guerra está a levar a cabo uma limpeza online que vai deixar os utilizadores russos cada vez mais vulneráveis à propaganda do Kremlin.
As redes sociais norte-americanas foram banidas ou limitadas, os meios de comunicação obrigados a apagar as menções à guerra, e os serviços web estatais forçados a mudar para servidores locais. Circula um documento do ministro para o digital, Andrei Chernenko, que parece indicar um plano para retirar a Rússia da Internet global.
Aqueles que passaram os últimos dias a acreditar que as sanções contra a Rússia levariam a um levantamento popular talvez tenham subestimado a complexidade da "desinformatia" russa. O que está a acontecer é inédito pela escala - um mercado gigante que de repente cai da economia global - e pelo momento. Não estamos em 1962, quando John F. Kennedy promulgou o embargo comercial entre os Estados Unidos e Cuba. Não estamos nos anos oitenta, quando Ronald Reagan classificou a União Soviética de "império do mal" em plena guerra fria.
Estamos no século XXI, uma era de conectividade permanente, com acesso ilimitado a fontes de informação e auto-estradas digitais que chegam até às zonas mais remotas do planeta. Como é que vamos permitir que 146 milhões de pessoas sejam excluídas? Como é que podemos evitar que as sanções e o êxodo de empresas reforcem o poder de Moscovo e gerem uma contra-corrente identitária de "nós contra o mundo"?
Não há respostas unívocas a este dilema e a verdade é que todas as opções são más. Não se pode continuar como se nada fosse, mas também não se pode simplesmente vomitar um país inteiro da comunidade internacional. Não se pode premiar a agressão russa, mas também não se pode punir até à indigência um povo que ele próprio está subjugado pelo regime autoritário de Putin.
Aquilo que temos pela frente é uma noite escura da alma humana. Por trás desta cortina de ferro há morte, horror e miséria: que a sua visão constante não nos torne dormentes.