A média etária dos agricultores portugueses é de 65 anos e a taxa de rejuvenescimento do setor é de apenas 4%, o que nos coloca apenas atrás do Chipre. É contra este diagnóstico pouco animador para o futuro do setor agrícola que Firmino Cordeiro se bate. Em entrevista ao DV, o diretor-geral da Associação de Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), que tem 39 anos, defende políticas públicas que promovam mais incentivos para a instalação de jovens na agricultura e assume que é necessária uma aposta mais robusta na formação. Mesmo que o nível de qualificações tenha evoluído substancialmente. Mas não só. Firmino Cordeiro defende a reativação do banco de terras e da bolsa de terras, bem como de programas de juros bonificados para acesso ao capital de investimento. E apesar de ser favorável a métodos mais sustentáveis de produção – que não são globais – defende um gradualismo em certas medidas decididas em Bruxelas, porque a rentabilidade tem de ser assegurada, diz. Esta semana um estudo da AGRO.GES salienta que a agricultura portuguesa poderá perder até 510 milhões de euros anuais de rendimento devido à redução da produtividade e ao aumento dos custos de produção causados pela retirada de 'substâncias ativas' essenciais à proteção das culturas. O impacto corresponde a 7% da produção vegetal nacional prevista para 2025, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Como tem evoluído o tecido social da agricultura em Portugal? Qual é a proporção entre jovens e idosos?Infelizmente, o percentual de Jovens Agricultores (JA) em Portugal continua muito abaixo da média da União Europeia (UE). A média etária da população agrícola em Portugal é de 65 anos, segundo o INE. Somos o segundo país da Europa com o percentual mais baixo de rejuvenescimento do setor, sendo que apenas o Chipre consegue ser pior. Estamos nos 4%, quando a média da UE é 12%. É necessário apostar em políticas que incentivem mais instalação de JA, e esta deve ser prioridade máxima do próximo titular da pasta da Agricultura.Porque é que o setor não atrai mais jovens? O que falta?Tem de ser garantido um ecossistema mais favorável ao empreendedorismo jovem, para além das medidas já existentes, com políticas que simplifiquem a instalação, promovam a formação técnica e empresarial e facilitem o acesso à inovação e tecnologias em face dos grandes desafios atuais e futuros. Falamos de agricultura de precisão e digitalização, práticas regenerativas e biotecnologia (incluindo luta biológica contra inimigos das culturas, economia circular e bioenergia). Há dificuldades crónicas que temos de atenuar, ao máximo, os seus constrangimentos, como por exemplo, o fator terra, e recordamos que o Banco de Terras e a Bolsa de Terras estão completamente esquecidos. O fator capital é igualmente muito importante, pois para além dos apoios ao investimento e o prémio à primeira instalação que o JA recebe, necessita de capitais próprios (na maior parte dos casos não tem). Muitas vezes com projetos aprovados e viáveis, esta limitação pode ser determinante para o insucesso, devia por isso existir um programa, de juros bonificados, para JA, com período de carência e com prazos alargados de pagamento, consoante a realidade dos investimentos. Há muitas burocracias não resolvidas e a logística associada a todo o processo, desde a elaboração, a aprovação do projeto, os pedidos de pagamento e o encerramento de todo um processo de instalação de um JA. Alguns dos exemplos mais delicados prendem-se com o licenciamento das construções, da captação e armazenamento de água, critérios associados às tabelas de produtividade, preços médios das produções e por vezes ainda surgem erros de interpretação dos avisos e das medidas.Mas foram fixadas metas para o rejuvenescimento….A ambição do PEPAC em relação ao número de jovens a instalar (2.061), é manifestamente baixa para o nível de rejuvenescimento atual. A aposta nos JA carece de mais meios, sendo que o PEPAC devia fazer desta medida uma bandeira. Além disso, não se trata só do valor do prémio e do montante ao investimento, mas também da regularidade destes apoios e dos problemas que tardam em ser resolvidos. Deixo por exemplo uma reivindicação antiga da AJAP: atenuar de alguns impostos nos primeiros anos após a instalação, inclusive a segurança social. Nesse sentido, defendemos a isenção total ou, no mínimo, a diminuição de pelo menos 50% das contribuições para a Segurança Social, bem como a isenção de IRS/IRC (conforme a situação), dos subsídios ao investimento e nos subsídios à exploração, até que o JA complete 40 anos. Caso a instalação ocorra próxima do limite da idade, esta benesse para a Segurança Social deverá verificar-se durante os três anos subsequentes à instalação, bem como a isenção de IRS/IRC (conforme a situação) dos subsídios ao investimento e, nos subsídios à exploração, até ao fim do vínculo contratual da candidatura como JA. Outra enorme limitação prende-se com a água pública de regadio.E como estamos ao nível de qualificações?Felizmente, o nível de qualificações tem aumentado no que se refere ao percentual de jovens com ensino na área agrícola, quer a nível médio, quer superior (técnico-profissional e licenciados). Também temos noção que há jovens com Ensino Superior (cursos não agrícolas) a instalarem-se, o que significa que o setor vem atraindo jovens. Relativamente à formação obrigatória exigida (para jovens com a escolaridade mínima), parece-nos que é pouca, por um lado, a carga horária é baixa, e por outro, não existe a preocupação de existir formação específica nas áreas em que o jovem se vai instalar. Somos da opinião de que uma boa parte da formação deveria ser ministrada antes de o projeto ser submetido. Necessitamos igualmente de atualização dos conteúdos formativos em algumas áreas, o exemplo da mecanização é por demais evidente, pois os equipamentos são cada vez mais complexos, exigem mais conhecimentos na manutenção, a eletrónica está muito desenvolvida na agricultura e o uso de tratores e alfaias é mais exigente. De igual modo, a Agricultura de Precisão impõe muitos conhecimentos que vão para além dos agronómicos, na área da digitalização, informática e das novas tecnologias. A AJAP entende por isso que seria necessário, tão cedo quanto possível, introduzir novas áreas que ajudem os JA que se pretendem instalar no setor.Qual o balanço que fazem das políticas agrícolas pelos dois últimos governos?No caso do Governo do PS, com a ministra Maria do Céu Albuquerque, percebemos o seu esforço pessoal, mas para esse Governo o setor nunca foi uma prioridade. Isso foi visível desde o início, quando passaram, por exemplo, as Florestas para o Ambiente e retiraram os animais de companhia da DGAV para o ICNF. Ficou bem patente que o setor primário não foi prioridade nos governos de António Costa. Neste último governo da AD, notámos uma postura diferente, virada para a produção, para a exportação, para a instalação de JA e uma preocupação com a melhoria das suas condições produtivas e com a rentabilidade dos agricultores. Falamos de um Governo de muito curta duração, com inúmeros problemas herdados neste setor, dou apenas o exemplo das medidas agroambientais, nomeadamente a Agricultura Biológica e a Produção Integrada. O Governo de Luís Montenegro reintroduziu as Florestas na Agricultura, passou a existir uma relação muito direta e de proximidade entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente e Energia, e que foi visível num documento anunciado na reta final da legislatura, o projeto ‘Água que Une’, bem como em tomadas de decisão conjuntas nomeadamente para a região do Algarve. Também salientamos o documento estratégico ‘Plano Florestas 2050’, um ambicioso instrumento estratégico que visa transformar a gestão da propriedade florestal, fortalecer a resiliência contra incêndios e promover boas práticas no setor. Esperemos agora que o novo Governo traga melhorias e aponte um rumo de progresso, que se reforce o diálogo com as organizações do setor e com os agricultores.Quais são as medidas e projetos mais prioritários?A nível global, o plano ‘Água que Une’ e o ‘Plano Floresta 2050’. Contudo, há uma medida que falha: o emparcelamento. É importante perceber de que forma podemos criar um modelo de emparcelamento que não tenha grandes custos associados. O emparcelamento não pode ser um tabu, tem de ser uma realidade, sendo que precisamos de aumentar a área média por exploração e por JA. Além disso, há outra área importante: o desenvolvimento dos territórios rurais, a coesão territorial e o contributo que JA, Agricultores e Jovens Empresários Rurais podem aportar a estes territórios.A este propósito, durante a última campanha eleitoral, apresentamos o Pacto - Inovação Portugal Rural aos diferentes partidos políticos, que no seu conjunto, é constituído por entidades privadas e públicas, numa lógica de se criar um ecossistema favorável ao empreendedorismo agrícola e rural nestes territórios, no fundo, áreas não agrícolas onde o Governo no seu todo devia investir, nomeadamente através de alguns dos seus Ministérios (Coesão, Economia, Agricultura, Juventude e Ambiente).Quais são os principais obstáculos nesta atividade?A comercialização dos produtos, a começar pelo preço que é pago aos produtores, e que sofre quase sempre alterações (e quase sempre a diminuir), mas poucas vezes se atenta aos custos dos fatores de produção, acrescidos da energia e combustíveis. Isto é essencial pois falamos dos preços da mão de obra e do suor do empresário que praticamente trabalha 365 dias por ano. As nossas estruturas cooperativas e outras ainda são débeis, é preciso robustecer o setor de forma a que possamos ser mais concorrenciais. A agricultura é um setor estruturante para o país, é fundamental apostar no seu rejuvenescimento, na dignidade da atividade e na sua valorização.Como se estão a preparar para as medidas ambientais do Green Deal, nomeadamente a redução de pesticidas? As regras de Bruxelas são adequadas?Ao contrário do que acontece em muitos países extracomunitários, cujos produtos concorrem de modo desleal com os europeus, na UE existe uma regulamentação muito exigente relativamente ao uso de produtos fitofarmacêuticos, o que é garantia de baixo risco para homem e ambiente. Todo o setor está consciente da importância da preservação da Biodiversidade, do uso sustentável dos recursos, da necessidade de mitigação e adaptação às alterações climáticas e tem havido um enorme esforço concertado entre a produção, indústria, investigação e DGAV/Ministério da Agricultura/entidades oficiais, no sentido de se desenvolverem novos sistemas de produção, técnicas, equipamentos e produtos, os quais, por si só ou em conjunto, contribuem para reduzir o uso de fertilizantes e pesticidas químicos. Porém, defendemos que este processo tem de ser gradual, de forma a que novas soluções possam surgir e ser testadas, sem pôr em causa a nossa soberania e segurança alimentar - em termos de quantidade e qualidade da produção - nem a sustentabilidade do setor, que já se vê confrontado com muitos constrangimentos (aumento dos custos dos fatores de produção, a inflação, a subida permanente dos custos da energia, as oscilações constantes nos preços dos combustíveis, o impacto dos fenómenos climáticos extremos e das guerras em curso na Ucrânia e no Médio Oriente). Em boa hora, a Comissão Europeia recuou e decidiu, no ano passado, retirar uma proposta de redução de 50% na utilização de pesticidas químicos, prometendo encontrar uma solução equilibrada que não ponha em risco a atividade agrícola. Não temos dúvidas de que é imperioso avançar para um modelo de produção mais sustentável, mas sem explorações rentáveis não há sustentabilidade da agricultura nem alimentos saudáveis diariamente à mesa dos consumidores.Como anteveem o setor nos próximos 5/10 anos?Olhamos para o futuro com otimismo, contudo, há problemas a resolver e que são estruturais para a Agricultura portuguesa. Temas como a Água, as Florestas, o rejuvenescimento e o apoio aos territórios rurais, insistimos, são determinantes num setor que se quer forte, coeso, resiliente e sustentável. .Agricultura. Mau tempo provocou prejuízos superiores a 5 milhões de euros em Lisboa e Vale do Tejo.Governo vai criar quadro geral para grandes incêndios com apoios "expeditos" à agricultura.Portugal sobe para 15º lugar no Índice de Transição Verde com aposta na agricultura biológica