O "efeito borboleta" dos riscos

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Em 1969, o meteorologista Edward Lorenz usava a metáfora que o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Esta analogia permite-nos perceber que mesmo pequenos eventos podem levar a consequências totalmente divergentes e que tudo o que fazemos pode ter um efeito considerável a longo prazo.

É, por isso, muito interessante verificar como podemos avaliar a volatilidade dos riscos de curto prazo e o quanto os acontecimentos diários podem afetar as nossas perceções, volvidos quase dois meses após a divulgação do Global Risks Report 2022 pelo World Economic Forum.

Tal como identificado no relatório deste ano, os eventos climáticos extremos e da natureza demonstram ser cada vez mais recorrentes e a uma escala continental ou global (desde ondas de frio no hemisfério norte - EUA, Canadá e Norte da Europa - à onda de calor na América do Sul, até mesmo a tempestades consecutivas que assolaram o Reino Unido e Europa, não esquecendo a grande erupção vulcânica do Huga Tonga seguida de tsunami no Pacífico, ou até a seca prolongada que enfrentamos, nomeadamente na Península Ibérica).

Ao nível dos riscos sociais, a perda de poder de compra e a inflação que vivemos, a escassez de matérias-primas e os distúrbios sociais vividos em consequência do cansaço, provocado pelas medidas de gestão da pandemia (Canadá e, de forma menos grave, noutros países), reforçam o peso que os diferentes riscos têm no top 10 de curto prazo deste ano.

Já no capítulo dos riscos tecnológicos, a mediatização de ataques cibernéticos e até de incidentes ou falhas de cibersegurança, não apenas a nível internacional, mas também em Portugal, põem em evidência a importância deste tipo de riscos durante o processo de digitalização de todas as indústrias, e até no campo da geopolítica e geoestratégia.

Numa perspetiva regional ou local, certamente influenciado pelas primeiras páginas de jornais e pelas notícias de abertura de canais de televisão e rádio nos últimos dias, ao consultar o Anexo B do Relatório do World Economic Forum, podemos comprovar que os executivos da Rússia e da Ucrânia que participaram no estudo regional (realizado no final de 2021 e publicado em janeiro deste ano) que indicaram as ameaças críticas para os seus países deram relevo a riscos como: estagnação económica prolongada; conflitos interestatais; colapso do Estado; falha na estabilização de preços e choque severo de preço de commodities; entre outros.

Ao assinalar estas perspetivas, quero dar ênfase à importância de podermos olhar para os riscos não apenas influenciados pelas nossas perceções, mas também pelas de outros países, regiões ou realidades mais específicas. Além desse fator, e independentemente do impacto mais direto que os eventos geopolíticos e geoeconómicos que vivemos possam ter, é fundamental não esquecer que os riscos de longo prazo, como são os de natureza ambiental, social e económica, serão certamente afetados e até mesmo agravados por eventos bélicos, diplomáticos ou de cibersegurança cada vez mais exacerbados, não sendo por isso de estranhar que no topo dos riscos de longo prazo (5 a 10 anos) e nos mais graves na próxima década apareça a falha na ação climática. Digo isto porque as metas ambientais urgentes definidas no Acordo de Paris, mais recentemente reforçadas na Escócia durante a COP26, só serão possíveis atingir se houver consensos e ações prioritárias. No entanto, é de temer e prever que o foco e as prioridades de cada nação, ou de diferentes regiões do globo, serão fortemente impactadas sempre que outros eventos de largo espetro ocorram.

Tudo o que fazemos, o que não fazemos e quando fazemos tem uma consequência. Convido-vos a lerem ou a consultarem o Global Risks Report, do World Economic Forum, para mais informações sobre os riscos globais e, adicionalmente, o Interconnected Disaster Risks Report, da ONU, sobre a interconexão de riscos, baseado em desastres muito recentes, e a poderem refletir sobre as nossas ações e o efeito potencialmente duradouro das mesmas.

Fernando Chaves, risk specialist da Marsh Portugal

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