O maior mito da produtividade

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A produtividade das organizações e dos países é sempre um tema intrincado, mas desafiante. O "como ser mais produtivo?" não é um problema de solução fácil, pois muito se tem estudado, escrito e debatido sem existir consensos. Apesar da complexidade, das inúmeras variáveis e fatores que concorrem para a produtividade (e suas variações), as leituras do fenómeno mais mediáticas e simplistas tendem a associar a produtividade ao tempo de trabalho.

O argumento de base é muito simples: o trabalho está associado ao tempo que lhe dedicamos. Por isso, quanto mais tempo trabalharmos, mais produzimos. Simples. Linear. Sem complicações. Fácil de explicar e entender.

Seguindo o racional desta tese, as organizações e os países mais produtivos serão aqueles que mais horas dedicarem ao trabalho. Aqueles cujos trabalhadores e cidadãos mais tempo passarem a trabalhar serão os mais produtivos.

Assumindo a veracidade deste racional, para que se possa garantir o aumento da produtividade, os decisores organizacionais e os decisores nacionais deverão desenvolver mecanismos (de gestão e legais) que impulsionem as pessoas a trabalhar mais tempo.

Por esta altura, alguns (senão muitos) leitores já se estarão a contorcer de desacordo. Vamos, por isso, aos factos.

De acordo com os dados do Eurostat, Portugal é um dos países da Europa com menor produtividade. Tendo como base o ano de 2019 (para evitarmos a "contaminação" da pandemia), e observando o índice de produtividade individual (2015=100) de 31 países Europeus, Portugal ocupa o lugar 19, com um índice de 103,03; ou seja, Portugal, em 4 anos, melhorou a sua produtividade em cerca de 3%. Para termos uma ideia relativa, a Roménia apresentava no mesmo período um índice de produtividade individual de 120,58 (mais 20,5% que em 2015). O topo da tabela é dominado pelos países de Leste e pelos países do Báltico, com República da Irlanda e Islândia pelo meio.

Em termos de tempo de trabalho, medido pelo número médio de horas de trabalho semanais de trabalhadores em full-time, Portugal ocupa o 8.º lugar numa lista de países com dados comparáveis, com uma média de 41,7 horas de trabalho semanal.

Dos 10 países com maior produtividade individual, apenas 1 (a Islândia) trabalha mais horas por semana que Portugal. Aliás, 5 dos países mais produtivos estão entre o grupo de 10 países com menos horas de trabalho semanal. A correlação entre produtividade e horas de trabalho semanal, em 2019, para esta lista de 31 países, é bastante fraca (e negativa). Quer isto dizer que, o aumento de horas de trabalho não é acompanhado por um aumento da produtividade individual.

Deste modo, a tese "mais horas de trabalho, mais produtividade" não é, de todo, comprovada pelos factos. É claro que a produtividade e o tempo de trabalho podem ser medidos de outras formas. Mas, genericamente, o resultado final é sempre o mesmo: tempo de trabalho e produtividade não andam de mãos dadas.

De tal forma, que existem exemplos de países e organizações que já implementaram (ou preveem implementar) semanas de trabalho mais reduzidas. Por exemplo, países como a Islândia ou a Alemanha já começaram a testar a semana de 4 dias. Em Espanha, Japão e Nova Zelândia, a ideia começa a ganhar tração junto de empregadores e trabalhadores. Até o Primeiro-Ministro de Portugal já mencionou esta possibilidade.

Mas há também empresas que se adiantaram ao quadro legal dos respetivos países e já testaram (ou implementaram) medidas de redução do horário de trabalho semanal. O exemplo mais marcante é o teste feito pela Microsoft no Japão. Durante um mês reduziu a semana de trabalho para 4 dias por semana. Os resultados foram ilustrativos: mais 40% de ganho em produtividade, menos 23% na conta da eletricidade e 90% dos trabalhadores a afirmarem que sentiram os efeitos positivos da medida. Em Portugal também já há empresas a testar modelos alternativos, como por exemplo não trabalhar na sexta-feira à tarde.

Naturalmente, existem também opiniões contrárias, suportadas no argumento de que reduzir a semana de trabalho poderá ser acompanhado por uma redução da produtividade. Os mitos têm destas coisas. São resistentes aos factos e às evidências.

Pedro J. Ferreira, docente e investigador do Departamento de Economia e Gestão da Universidade Portucalense

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