Prestadores de serviços vs. trabalhadores: o que precisa de saber?

Prestadores de serviços vs. trabalhadores: o que precisa de saber?
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A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) está a desenvolver uma campanha, com o cruzamento de dados com a Segurança Social, para identificar possíveis situações de dependência económica – indício de subordinação jurídica e, por consequência, de uma relação laboral– e, assim, combater os falsos recibos verdes.

Para o efeito, a ACT tem notificado várias empresas com vínculos contratuais com trabalhadores independentes que, num ano civil, apresentem mais de 80,00% de serviços faturados para a respetiva empresa.

Neste sentido, as empresas que tenham relações de prestação de serviços terão de afastar todos os indícios de uma relação laboral para que, quando formalmente notificados pela ACT, se consigam defender, sendo, por isso, imperativo que conheçam e tenham plena perceção das diferenças e indicadores de uma relação e de outra.

O que é a presunção de laboralidade?

A presunção de laboralidade é um mecanismo implementado no Código de Trabalho que permite identificar uma relação laboral.

Dado que frequentemente ocorrem situações em que relações de trabalho são dissimuladas sob a forma de prestação de serviços, a lei prevê que, ao serem identificados determinados sinais, seja estabelecida legalmente a presunção de existência de uma relação laboral com uma empresa, mesmo na ausência de um contrato de trabalho formal.

Isto é, sempre que existirem dúvidas sobre a natureza da relação e se verificarem certos indícios, presume-se que há uma relação laboral (com todas as consequências tributárias e providenciais para a empresa).

Este sistema foi criado, essencialmente, para proteger os direitos dos trabalhadores, assegurando que estes beneficiem dos direitos e proteções jurídicas associados ao trabalho e permite, no fundo, evitar a dificuldade/risco da insuficiência na demonstração da existência de um contrato de trabalho.

Quais são os indícios que fazem funcionar a presunção de laboralidade?

Os indícios que podem sugerir a existência de uma relação de trabalho estão previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho e as situações que neles se enquadram são as seguintes:

  • Se o prestador de atividade segue as instruções da empresa sobre como, quando e onde realizar as suas atividades.
  • Se o prestador de atividade cumpre ordens e instruções de uma determinada pessoa que, hierarquicamente, assume uma posição de controlo na empresa.
  • Se o prestador de atividade desempenha funções de direção ou chefia na empresa.
  • Há lugar ao pagamento de um salário fixo e regular em vez de pagamento por serviço prestado.
  • Há lugar ao pagamento de subsídios de férias e/ou Natal.
  • Se o prestador de atividade segue um horário pré-determinado pela empresa.
  • Se o prestador de atividade presta a sua atividade num local pertencente ou determinado pela empresa.
  • Se a empresa fornece as ferramentas e equipamentos necessários para realizar a atividade.
  • Quando a empresa exige que o trabalho seja realizado pessoalmente pelo indivíduo, em vez de permitir a delegação para terceiros.

Como é que a presunção de laboralidade interfere com os direitos do trabalhador e a posição das empresas?

A presunção de laboralidade é crucial para garantir que os trabalhadores em Portugal tenham acesso aos seus direitos laborais, tais como remuneração justa, horas de trabalho regulamentadas, pagamento de trabalho suplementar, férias remuneradas, benefícios previdenciários e proteção contra despedimentos ilícitos.

Esta presunção é um instrumento legal essencial para equilibrar as relações laborais, assegurando condições de trabalho justas e dignas.

A presunção de laboralidade pode ser contestada?

Sim, em alguns casos, a presunção de laboralidade pode ser contestada com base em circunstâncias específicas. Contratos claros, acordos de prestação de serviços e evidências de autonomia do trabalhador podem ser utilizados para afastar a presunção e, por conseguinte, afastar a existência de supostas relações laborais.

No entanto, é essencial analisar detalhadamente as condições e o contexto específico de cada situação, de acordo com as normas vigentes no ordenamento jurídico português.

O que é que as empresas devem fazer quando confrontadas com o facto de beneficiarem de cerca de 80% dos serviços faturados por um trabalhador independente?

As empresas devem-se preparar para apresentar respostas cuidadosas e completas, com evidências que demonstrem a natureza da relação com o prestador de atividade sob essa perspetiva, bem como todos os detalhes pertinentes que possam esclarecer a situação, de forma a evitar categorizar erradamente a relação estabelecida com o prestador de actividade e, desse forma, gerar despesas desnecessárias para a empresa.

Em síntese, é crucial que as empresas compreendam os indícios da presunção de laboralidade não apenas para evitar contraordenações, mas também para se precaverem caso a ACT decida notificá-las para regularizar vários vínculos, como tem vindo a acontecer.

Essa compreensão permite que as empresas distingam claramente entre uma relação de trabalho e uma relação de prestação de serviços, garantindo que estejam em conformidade com a legislação vigente.

Clara de Sousa Alves, Advogada Associada da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

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