Solte o germofóbico que há em si (mas não dê em maluco em casa)

Ter fobias não é ideal, mas na era do Covid-19 há práticas úteis de germofóbicos (cinema incluído). Reunimos conselhos anti-germes e anti-stress
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As ruas estão quase desertas, tirando o carro ocasional. Mesmo num belo dia de sol em Benfica, Lisboa, as casas estão cheias de pessoas que, muito de vez em quando, espreitam nas janelas ou nas varandas o belo dia que noutra altura seria ideal para um passeio. Quando alguém surge na rua, todos olham, mantendo a sua distância. O perigo pode estar ao virar da esquina.

Carla usa um lenço na mão. O motivo? “Poder abrir portas e tocar em superfícies desconhecidas”. As poucas conversas são feitas com alguns metros de distância entre pessoas, para evitar germes, bactérias ou o temido vírus. Zé diz que continua a andar de carro, “porque tem de ser”, mas admite ter receio: “sei lá se por acaso tiver um acidente me vêm buscar, estão todos ocupados com os doentes e infetados do vírus, isto vai virar a selva cá fora”.

Sair de casa, do apartamento, passou a ser um desafio que cria ansiedade. O mesmo como ir ao trabalho - nem que seja para ir buscar coisas para poder trabalhar de casa. Um lenço ou uma luva na mão, além das já habituais (e cada vez mais difíceis de arranjar) máscaras tornam-se o porto semi-seguro para as saídas obrigatórias de casa.

Maria trabalha numa loja de bijuterias de bairro. Acaba de fechar a loja e não tem perspetivas de o abrir. Diz que cumpre-se, assim, os vários decretos governamentais - cada dia um mais restritivo do que o outro - para tirar as pessoas das ruas, eliminando os contactos sociais próximos ao mínimo possível.

“Sei lá se vou receber no final do mês, o patrão tem de fechar, não vende (também não viria ninguém) e eu tenho, tal como ele, uma renda para pagar e comida para comprar”, explica, preocupada: “e sabemos lá se não acontece o mesmo com as operadoras do telemóvel e da net em casa ou com a EDP”. A mesma preocupação sobre se lhe acontece alguma coisa em casa, uma queda, uma doença súbita. “Os hospitais estão no limite, cheios, lá em casa temos de ter cuidado para não precisar de cuidado”.

Bagão é um bancário reformado de 75 anos. “Já tenho dificuldades em me movimentar, mas estou mais preocupado com os milhares de velhos como eu que precisam de ajuda para ir buscar comida, tratar da casa ou de si e que, por causa de tudo isto, deixam por um motivo ou por outro, até de poder contar com a família”.

Tem alguma esperança quando lhe dizemos que há equipas de bairro recentemente criadas (SOS Vizinho) precisamente para ajudar - com os devidos cuidados e distâncias - quem mais precisa.

Maria José trabalha há vários anos a limpar alguns prédios em Benfica e a tratar dos caixotes do lixo. Admite que não estava preocupada, mas começa a ficar. "Já quase não vejo ninguém nos prédios quando limpo de manhã. Sinto-me cada vez pior nos transportes públicos, estou a vir a pé agora".

Sobre a sua situação profissional, admite ter um vínculo precário e estar um pouco preocupada mas "até ao momento todos querem manter o serviço, embora me tenham dado luvas e máscara para correr menos riscos". "Pior acho que estão colegas que fazem limpezas dentro das casas de pessoas, que tem sido visto os serviços todos a serem cancelados nesta altura", admite.

Um pouco mais à frente, um dos jardins de Benfica, com vista para o Colombo e para o Estádio da Luz, também está semi deserto, com uma particularidade: todos os instrumentos de exercício físico estão 'decorados' com fita balizadora ou protetora para evitar que sejam usados. Cenário distópico semelhante e desolador é o parque infantil, onde todas as diversões e escorregas para as crianças estão com as mesmas fitas e nada de crianças, também elas fechadas em casa nesta altura de Covid-19.

Mesmo ontem, domingo, a diretora geral de Saúde pediu uma “suspensão da boa educação”, para que quem tenha de andar na rua ou fora de casa, passe (ou fale) com os outros de costas voltadas e a uma boa distância - ainda não vimos isso acontecer nas ruas de Benfica, mas é uma questão de tempo.

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Sem mais demoras, vamos a algumas regras típicas de germofóbicos e úteis nesta era de Covid-19, focadas no ato de sair de casa (considerando que limpou com detalhe a sua casa, maçanetas incluídas):

O Hospital São João, no Porto, deixa estas sugestões concretas do que fazer quando se entra em casa:

Nesta altura, todos os cuidados parecem ser poucos e o nível de germofóbico que acabamos por expor nem sequer é dos mais detalhados. No entanto, convém não viver em stress mesmo que saibamos hoje que Covid-19 pode sobreviver em superfícies por várias horas, no entanto, os desinfetantes simples podem matá-lo.

Os conselhos oficiais da Organização Mundial de Saúde:

> Lave bem as mãos de forma regular

Com água e sabão ou gel desinfetante, lavar bem as mãos com muita frequência ajuda a matar o vírus se este estiver nessa zona do corpo. Usar luvas não é mais eficaz do que lavar as mãos, uma vez que se tocar numa superfície contaminada e depois levar a luva à cara pode ficar infetado.

> Eliminar beijos e apertos de mão dos cumprimentos

Costuma cumprimentar os amigos e conhecidos com beijinhos? Esqueça. Com o nível de contágio do Covid-19 o ideal é cumprimentar à distância. Ninguém vai levar a mal, pode acreditar.

> Cuidado extra ao tossir e espirrar

Em caso de tosse ou espirro, tapar a boca e o nariz com a prega do cotovelo, o braço ou com um lenço de papel (aproxime mesmo para evitar espalhar as gotículas). Neste caso meter imediatamente o lenço no lixo e de seguida lavar muito bem as mãos. Ao cobrir a boca e o nariz evita a propagação do vírus. Se espirrar para as mãos, a probabilidade de contaminar objetos e pessoas nos quais toque é alta.

> Manter distância social em todos os momentos

Além de evitar beijos e apertos de mão, a OMS recomenda 2 metros de distância para todas as pessoas, sobretudo aquelas que revelem sintomas como tosse, espirros e febre. Porquê? Porque quando alguém com uma infeção respiratória como o Covid-19 espirra ou tosse projeta pequenas gotículas contaminadas. Se estiver próximo dessa pessoa, a probabilidade de inalar o vírus é alta.

> Evite tocar na sua cara

As mãos tocam constantemente em superfícies, maçanetas e objetos que podem estar contaminados. Levar as mãos à cara pode transferir o vírus dessas superfícies para dentro do seu organismo. Daí a importância de lavar muitas vezes as mãos.

> Nem pense em viajar

Mesmo que o hemisfério sul ainda não tenha tantos casos de Covid-19 quanto o hemisfério norte, evite viajar por completo (os riscos são enormes, inclusive de ficar retido num país estrangeiro). A OMS recomenda por isso que se evitem viagens pois é premente conter a propagação do Covid-19 e o grau de dificuldade aumenta com a circulação de pessoas entre países.

E qual é a melhor maneira de lavar as mãos corretamente?

1. Molhe as mãos e os pulsos com água corrente

2. Aplique sabão suficiente para cobrir as mãos e os pulsos molhados

3. Esfregue todas as superfícies, incluindo as costas das mãos, entre os dedos e as unhas, por pelo menos 20 segundos. Pode imitar Larry David no filme de Woody Allen, Whatever Works, e cantar parabéns e você duas vezes seguidas:

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Lave as mãos frequentemente, principalmente antes de comer; depois de assoar o nariz, tossir ou espirrar; e depois de ter ido ao banheiro.

Se água e sabão não estiverem prontamente disponíveis, use um desinfetante para as mãos à base de álcool com pelo menos 70% de álcool.

Para não dar em paranoia ou não ter excesso de ansiedade: foque-se no que controla e não no que não controla. “Respire fundo, seja confiante e veja o lado positivo da situação difícil em que temos de estar”. Quem o diz é Maria José Chambel, investigadora de Psicologia da Universidade de Lisboa. Em altura de isolamento em casa, “não devemos estar sempre a pensar no modelo de vida antigo, o normal e que temos há muito”.

Chambel explica que é preciso deixar a mente “readaptar-se ao modelo de vida atual”, mesmo que seja passageiro. “Devemos procurar as coisas positivas, achamos que temos pouco tempo e temos de correr, agora devemos aproveitar ao máximo o que a situação nos pode dar e isso ajuda a afastar mais o stress”.

Para evitar a ansiedade dos momentos em que temos de sair de casa, “o melhor é focarmo-nos na missão que temos quando saímos e não estar sempre em resistência ou em comparação com o que tínhamos”.

Estar informado sobre o que se passa de fontes seguras é fulcral, mas a investigadora indica que “não devemos estar sempre à procura de informação excessiva de muitas fontes, uma ou duas vezes por dia chega bem”. Isso além do stress que as redes sociais podem provocar. “Não vale a pena estar sempre nas redes sociais à procura de informação, até porque é frequente haver fontes erradas e ficarmos demasiado tempo concentrados no que é negativo”.

Daí que falar com os familiares sobre outros temas, criar projetos diversificados mesmo por videoconferência ou fazer jogos podem ser bons auxílios diários.

O stress também pode ter efeitos na doença Covid-19. Ao New York Times, Stew Shankman, professor de psiquiatria e ciências comportamentais da Northwestern University diz:"O meu conselho geral seria para que as pessoas tentassem reduzir o stress em vez de se preocuparem obsessivamente com aquilo em que tocam”. Isto porque quanto maior o stress, “menor a capacidade do corpo em combater infeções”. Há sugestões para não se tocar no rosto que vão de colocar perfume nas mãos (o cheiro traz memória) ou colocar um elástico colorido no pulso.

O cenário atual parece dantesco, sem o lado negro tenebroso, mas com a solidão de vaguear perdido, com receio de tudo o que possa aparecer, isto num belo dia de sol para estar na praia ou na esplanada (ambas estão agora interditas ou fechadas, sem data para abrirem).

O cinema já nos trouxe sensações e receios generalizados destes parecidos, mesmo em belos dias de sol, mas nunca a realidade. E hoje, esta, é a realidade de milhares de ruas, praças, lojas e cidades de dezenas de países do planeta - o número de países em lockdown total continua a aumentar. Da muralha da China, ao Coliseu de Roma, Torre Eiffel em Paris, ou às ruas de Nova Iorque nunca se viu nada assim nas gerações que vivem em 2020, excepto em filmes.

Há os típicos filmes de pandemia, como Outbreak (1995, com Dustin Hoffman), 28 Dias Depois (2002, de Danny Boyle), World War Z (2013, com Brad Pitt) ou Contagio (2011, de Soderbergh e com Matt Damon e Kate Winslet). Este último tem claras semelhanças com o momento atual de Covid-19: um vírus mortal dissemina-se pelo mundo em poucas semanas, o contacto humano deve ser evitado a todo o custo. Hoje é a realidade.

https://www.youtube.com/watch?v=C-ADAwfrwGs

Há outros exemplos de filmes onde sair de casa mesmo num belo dia de sol é um desafio assustador, do recente Às Cegas (2019, com Sandra Bullock e onde a humanidade que mantém os olhos abertos suicida-se), até Palpitações (1990, com Kevin Bacon a fugir de criaturas vindas do chão que matam humanos).

Mais exemplos de germofóbicos:

https://twitter.com/nbcsnl/status/1234250193463320581

(Larry David prefere a não dar apertos de mão a ninguém)

Em Que Se Passa Com Bob? (filme de 1991 de Frank Oz), Bill Murray é um obsessivo compulsivo neurótico (que deixa o seu terapeuta, Richard Dreyfuss, à beira de um ataque de nervos) e que vive isolado em casa e é um verdadeiro germofóbico mal sai. Há momentos que mostram bem a vida de um germofóbico.

https://www.youtube.com/watch?v=CPLwXuLtuno

Aqui Bill Murray explica os seus muitos problemas:

https://www.youtube.com/watch?v=I104h3QIcgk

O medo de entrar no autocarro:

https://www.youtube.com/watch?v=5MVJOI8RbnQ

E para aligeirar o momento, o comediante George Carlin goza nos anos 1980 com os germofóbicos, isto numa era sem pandemia:

https://www.youtube.com/watch?v=X29lF43mUlo

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