Apple em sangria na bolsa: o que (não) têm os novos iPhones

Novidades “incrementais” fazem com que investidores percam fé na capacidade da tecnológica de inovar. Mas o futuro da empresa está na mão dos seus fiéis clientes. E estes, até ver, são muitos.
O iPhone Air, com 5,6mm de espessura, anuncia-se como o mais fino de sempre da marca, mas com custos.
O iPhone Air, com 5,6mm de espessura, anuncia-se como o mais fino de sempre da marca, mas com custos. FOTO: EPA/JOHN G. MABANGLO
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Em dois dias completos de transação em bolsa após a apresentação dos seus novos iPhones a Apple viu o seu valor de mercado cair aproximadamente 167,2 mil milhões de dólares (cerca de 142,1 mil milhões de euros). O desastre, que se traduziu numa perda de 11,19 dólares por ação (cerca de 9,51 euros), continuou no terceiro dia de negociação. Ao longo da tarde de ontem, quinta-feira, o valor da Apple registava uma nova desvalorização de cerca de 3,2%, num claro sinal de que o mercado de ações recebeu de forma tépida a apresentação dos novos produtos da empresa.

Numa realidade que opera sob o princípio de “comprar no rumor e vender no facto”, esta “sangria” imediata levanta uma questão inevitável: serão os novos produtos da Apple assim tão maus?

iPhone 17: o que muda e o que fica na mesma

As primeiras análises possíveis apontam que a nova linha de iPhones não traz verdadeiramente nada de muito novo, apesar de algumas melhorias significativas. O foco da Apple em cada modelo parece ser diferente e se no iPhone 17 “base” se faz uma aposta na experiência do utilizador, já o 17 Pro Max é uma máquina focada no desempenho e na fotografia.

No iPhone 17 “base”, o upgrade mais substancial sente-se em termos de experiência visual. O ecrã, que era de 60Hz no 16, passou a ter a tecnologia a que a marca chama ProMotion, mas na realidade mais não é de que uma taxa de refrescamento de ecrã de 120Hz, uma funcionalidade que era exclusiva dos modelos Pro e que já é um padrão em muitos telemóveis Android.

A câmara ultrawide também foi melhorada, passando de 12MP para 48MP, e a câmara frontal recebeu um upgrade para 18MP. O site especializado CNET, que teve oportunidade de ter o aparelho “nas mãos”, na sua análise inicial, destacou que a Apple conseguiu aumentar o ecrã de 6,1 para 6,3 polegadas sem alterar as dimensões totais do mesmo, o que torna a experiência de visualização mais imersiva.

Já nos modelos topo de gama, o iPhone 17 Pro Max, a Apple abandonou a estrutura de titânio a favor de um corpo monobloco de alumínio, no qual se encaixa uma placa de cerâmica. Esta mudança, diz a empresa, melhora a dissipação de calor, um problema que a CNET refere ter afetado os modelos mais recentes.

O iPhone 17 Pro Max (em laranja), sendo bem visível o painel de cerâmica que, diz a marca, tem vantagens na dissipação de calor.
O iPhone 17 Pro Max (em laranja), sendo bem visível o painel de cerâmica que, diz a marca, tem vantagens na dissipação de calor. EPA/JOHN G. MABANGLO

O processamento de imagem com IA foi otimizado para produzir fotografias mais realistas, promete a marca. No campo da fotografia, a lente telefoto do 17 Pro Max passou para um zoom ótico de 8x, um valor que, de facto, supera a maioria da concorrência. A CNET descreve o salto como capaz de “capturar detalhes com uma clareza notável” e refere que o sensor principal da câmara é agora 56% maior do que no antecessor. A bateria foi significativamente aumentada, para 5088 mAh (vs. 4685 mAh no 16 Pro Max) e o brilho máximo do ecrã subiu para 3000 nits (vs. 2000 nits).

Air: o iPhone mais fino de sempre

A marca de Cupertino quis que o grande destaque do evento fosse o novo iPhone Air. Com apenas 5,6mm de espessura, este é oficialmente o iPhone mais fino de sempre, um feito de engenharia, de corpo em titânio. Contudo, esta busca pelo design teve um custo: o iPhone Air tem uma câmara traseira única e uma bateria de menor capacidade, apenas 3149mAh. Para compensar a autonomia limitada, a Apple anunciou um acessório extra: um power pack MagSafe. A coisa aumenta a autonomia mas, ironicamente, duplica a espessura do telefone, anulando assim a sua principal caraterística...

Relógios e AirPods: as outras novidades

Além dos telefones, a maçã também atualizou a sua linha de wearables. O Apple Watch Series 11 apresenta um perfil mais fino e anuncia uma maior resistência, mas mantém a estética anterior. A grande novidade é a monitorização não-invasiva de glicose no sangue, um avanço interessante na monitorização de saúde (à semelhança do que fazem modelos da Samsung e da Huawei) que, no entanto, continua sem certificação da FDA, a autoridade norte-americana do medicamento. O relógio passa a ter também a capacidade de dar avisos de hipertensão.

Os novos 'smartwatches' em exposição no evento.
Os novos 'smartwatches' em exposição no evento.EPA/JOHN G. MABANGLO

O Apple Watch Ultra 3, por sua vez, ganhou a capacidade de comunicação por satélite em caso de emergência, o segundo do género depois do recém-chegado Pixel Watch 4, e tem a maior e mais brilhante tela de sempre num Apple Watch. Em termos de autonomia, a Apple promete que o Ultra 3 aguenta “vários dias” com apenas um carregamento.

Os AirPods Pro 3 também foram apresentados. Os novos auriculares vêm com um novo processador, um sistema de cancelamento de ruído melhorado, e a funcionalidade de tradução em tempo real através da IA, além da monitorização de ritmo cardíaco durante os treinos.

A desilusão do mercado não é de hoje

O comportamento do mercado financeiro foi influenciado por vários fatores, com analistas e investidores a manifestarem desilusão com a falta de inovações disruptivas. Este sentimento, de resto, não é novo. Nos últimos cinco anos, a gestão do CEO Tim Cook tem sido frequentemente criticada por “jogar pelo seguro” e focar-se em melhorias incrementais em vez de criar novas categorias de produtos, como fazia Steve Jobs. Alguns analistas, como Craig Moffett, da Moffett Nathanson, chegaram já a afirmar que a Apple “não está preparada” para a próxima grande onda de inovação.

A saída de Jony Ive em 2019, o lendário designer da Apple, é vista por muitos como um ponto de viragem. De acordo com o diário The Wall Street Journal, Ive saiu em parte devido à sua frustração com a gestão de Cook, que estaria mais focada em eficiência operacional e lucros do que em design e inovação. A sua saída, juntamente com a crescente afluência de executivos com formação em finanças para posições de destaque, consolidou uma cultura de “segurança” que fez da Apple um gigante financeiro, mas diminuiu o papel da empresa enquanto inovadora tecnológica. Foi uma estratégia que, a curto prazo, levou a companhia a tornar-se a mais valiosa do mundo - a Apple alcançou o pico do seu valor, superior a 3 mil milhões de milhões de dólares (cerca de 2,55 mil milhões de milhões de euros), no início de 2022 - e a atrair investidores de peso, como Warren Buffett. Agora, ultrapassada pela Microsoft e pela Nvidia, a maçã parece ter perdido qualquer motor para inovações disruptivas. E até Buffett já vendeu as suas ações na companhia,

Aliás, ao contrário do evento do ano passado, em que a Apple Intelligence foi o foco central do lançamento, este ano a Apple não deu grande protagonismo à sua estratégia de Inteligência Artificial. O facto de a IA apenas ter surgido em funcionalidades pontuais - como a tradução em tempo real nos AirPods, no melhoramento fotográfico e o processamento de dados de saúde nos relógios - contribuiu para um sentimento de que o evento foi mais focado no hardware do que em quaisquer inovações de software.

Claro que resta saber como os clientes reagirão. Se as vendas dos iPhones, o grande “cavalo de batalha” da marca, se mantiverem elevadas, então a bolsa está errada e o consumidor afinal não quer IA nos seus telefones - “mais do mesmo” com um embrulho um pouco mais sofisticado é suficiente. Nessa altura, os investidores regressarão naturalmente.

O iPhone Air, com 5,6mm de espessura, anuncia-se como o mais fino de sempre da marca, mas com custos.
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