É uma decisão “completamente inédita” pela sua dimensão: mais de 1,5 milhões de consumidores em Portugal vão receber, coletivamente, pelo menos 40 milhões de euros das operadoras Meo, Nos e Nowo (entretanto comprada pela romena Digi), condenadas em primeira instância por terem alterado unilateralmente o tarifário dos seus clientes em 2016 e 2017. O acórdão, datado de dia 6 de setembro, surge após uma ação coletiva interposta em 2018 pela Deco Proteste, na altura noticiada pelo Diário de Notícias.Em causa estão alterações de tarifário, em 2016 e 2017, que violaram a Lei n.º 15/2016, de 17 de junho, que dá mais proteção aos consumidores. Paulo Fonseca, jurista da associação de defesa do consumidor, explica ao DN que em 2016, “no pico do período de fidelizações”, estas três operadoras anunciaram alterações de forma unilateral ao tarifário destes consumidores. No entanto, diz o jurista, caso “os clientes não concordassem com as mudanças “podiam rescindir o contrato sem correrem o risco de lhes ser imposta qualquer penalização”, mesmo que estivessem fidelizados. O problema? “Os operadores omitiram parte desta informação”, uma vez que apenas comunicaram os aumentos dos tarifários, não dizendo aos clientes que podiam rescindir caso não concordassem com as mudanças, conforme está disposto na lei.Segundo Paulo Fonseca, em novembro de 2016 (quando as mudanças começaram a ser aplicadas), cerca de “80% do mercado” de telecomunicações tinha uma fidelização ativa. Nessa altura, a Deco recebeu “várias queixas”, que analisou, concluindo que havia a omissão deste “aspeto importante” junto dos clientes. “Os operadores foram muito irredutíveis” quando abordados sobre este assunto, “dizendo que não estavam a violar qualquer lei, que a comunicação tinha sido muito bem feita e que os consumidores estariam muito contentes” com os serviços contratados. No entanto, a associação de defesa do consumidor chegou “a ter mais de mil queixas” só sobre este assunto em específico.Esta conduta por parte das três operadoras motivou uma queixa junto da Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom, que já este ano multou a Meo em mais de 500 mil euros por práticas desleais e violação de regras contratuais). A entidade reguladora deu razão aos consumidores, mas “no âmbito dos seus poderes enquanto autoridade administrativa aplicou apenas medidas corretivas”. Isto obrigou as operadoras a repetir a comunicação, que teriam de a aplicar até final de agosto de 2017. Há no entanto mais uma variável na equação: é que “apesar de repetirem a comunicação, tinham estado durante meses a cobrar aos consumidores diferenças de tarifários, que não deveriam ter sequer ocorrido porque a comunicação inicial era ilegal”. Ou seja, estas três operadoras apoiaram-se na decisão da Anacom, que não as tinha obrigado a ressarcir os clientes, e apenas refizeram a comunicação.Isto motivou então a ação judicial com o objetivo de recuperar as verbas que tinham sido indevidamente cobradas a estes clientes. No caso da Meo (que aplicou as mudanças em novembro de 2016), correspondiam a cerca de 10 meses; no caso da Nos, a nove meses; e, no caso da Nowo, seriam ressarcidos oito meses de quantias indevidas.“Esta sentença é muito clara”, considera Paulo Fonseca, explicando que o tribunal considerou que as comunicações eram “nulas”. Ou seja: “É como se voltássemos a novembro de 2016 e o tarifário que o consumidor tinha era o que deveria continuar a ser cobrado. Isto significa que qualquer alteração de preço devia ser devolvida aos consumidores.”Com isto, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa determinou que as três operadoras devem pagar a estes consumidores a indemnização de cerca de 40 milhões de euros. O valor, explica a Deco, “resulta da diferença de preços cobrada pelas referidas operadoras entre novembro de 2016 e agosto de 2017”, com uma abrangência de serviços entre o 2P (que juntam internet e televisão e telefone fixo) e 5P (que, normalmente, agregam banda larga fixa, telefone fixo, televisão, telemóvel e banda larga móvel).O montante final pode, no entanto, ser superior, uma vez que inclui, “e é importante frisar isto, o reembolso com juros desde a data da citação da ação”, ou seja desde 2018 até ao final de todo o processo. No ano em que deu entrada com a queixa junto do tribunal, a Deco estimava que o montante a ser reembolsado rondasse, de “forma aproximada e num cálculo conservador”, os 60 milhões de euros.“Operadoras não terão de ir atrás dos próprios clientes”Na decisão que proferiu, o juiz do Tribunal da Comarca de Lisboa “deixou algumas pistas” sobre como se vão processar os reembolsos a estas pessoas, que ainda aguardam pelo pagamento pasados sete anos. Segundo Paulo Fonseca, para “quem continua a ser cliente da operadora”, terá o crédito diretamente na fatura, onde será indicado que o valor se deve a uma ação judicial.Como atuar, no entanto, em casos em que o cliente já morreu ou deixou estar vinculado a uma destas operadoras? Nesses casos, há a obrigação de se “colocar o anúncio num jornal de grande tiragem, com os critérios para solicitarem ou pedirem a restituição do crédito”. Isto significa que “as operadores não terão de ir atrás dos próprios clientes”, devendo isso sim “facilitar a vida” a estas pessoas. “O juiz é muito claro quando refere que a restituição deve ser feita através de um meio indicado pelas operadoras, mas que deve ser transparente, acessível e compatível com a certeza necessária à correta identificação do antigo cliente”. Isto é “particularmanete importante” no setor das telecomunicações, “que muitas vezes cria entraves aos consumidores para poderem exercer os seus direitos.”As operadoras poderão, agora, recorrer da decisão para instâncias superiores..MEO multada em meio milhão por violações dos contratos e práticas comerciais desleais.Telecomunicações voltam a liderar queixas dos consumidores em 2022.Queixas sobre comunicações aumentaram até junho face ao mesmo período de 2024