Um café Delta, uma ginja albergada numa barrica de madeira ou um cálice de vinho do Porto. A acompanhar, um pastel de nata. O sabor a Portugal é também cheiro a casa no número 598 na Avenida da Praia Grande, em Macau, onde a vitrina repleta destes doces nacionais salta à vista por entre lojas típicas vestidas de carateres chineses iluminados.Do outro lado do mundo, Nélson Silva pousa uma nota em patacas ao balcão. Em troca, uma dentada numa das mais típicas iguarias lusas e um gole na pequena chávena que o conduzem, em segundos, às raízes. “É dos poucos sítios, aqui, onde ainda podemos ter alguma coisa de Portugal. Dizem que o nosso peso é grande, mas está a desaparecer. Os chineses estão a comprar tudo e os nossos negócios estão a evaporar-se”, comenta o português que, numa pausa do trabalho, procura o conforto umbilical a mais de 10 mil quilómetros da terra natal.O Grupo Portugália contraria o fatalismo. Depois de se ter estreado neste mercado há uma década, com a abertura de uma cervejaria Portugália, inaugurou o primeiro espaço da insígnia Manteigaria em janeiro e o segundo na semana passada, localizado no Taipa Village. Contas feitas, desde 2015 investiu cerca de 20 milhões de patacas (aproximadamente dois milhões de euros) com a internacionalização para esta região autónoma na costa sul da China continental. Com 22 lojas em Portugal , França ( Paris), Espanha (Madrid) e Macau, no próximo ano será a vez de chegar a Hong Kong. “Queremos abrir uma Manteigaria em Hong Kong no primeiro trimestre de 2026 e o objetivo, será, no prazo de dois anos, termos entre quatro a seis lojas nessa região. Depois vamos perceber qual é a oferta e a procura para que possamos investir mais. A Ásia é um mercado muito importante para nós”, refere ao DN Diogo Vieira, managing partner do grupo em Macau. Aberta há quase um ano, na primeira loja vendem-se, em média, mil pastéis de nata por dia. “Estamos aqui para mostrar a cultura portuguesa não só na ótica do turismo, mas também para que os locais e a comunidade portuguesa que aqui reside possa sentir um pouco a proximidade da casa”, explica. O responsável conta que a chegada da marca a Macau animou não só a franja de portugueses que vivem na região, mas também os nativos. “Despertou uma curiosidade muito grande. Tivemos ali um a dois meses com vendas muito elevadas e uma faturação de 100 mil euros por mês que, depois, como expectável, acalmou”, diz.A introdução deste bolo da pastelaria portuguesa no quotidiano macaense não foi uma absoluta novidade, o que facilitou a adesão dos clientes. “Em Macau temos já uma cultura do pastel de nata, ou de algum tipo de pastel parecido com o pastel de nata, que é o pastel de ovo local. É inspirado no pastel de nata, mas não é bem o mesmo, chama-se egg tart. Tem uma textura um pouco mais de pudim com sabor a ovo e o nosso é mais cremoso. De certa forma, temos de educar os clientes, nomeadamente os chineses e os turistas, para as diferenças entre um e outro. Lógico que para a comunidade portuguesa, a chegada da Manteigaria a Macau foi o culminar de termos um produto português típico, tradicional e original”, enquadra..Recrutamento e licenciamento são desafios.A exportação desta herança gastronómica portuguesa para o outro lado do mundo não se fez sem obstáculos. Desde logo, porque importa ter uma mão que trate a cozinha nacional na primeira pessoa. O chef Pedro Quintaneiro, residente em Macau há vários anos, juntou-se, neste sentido, ao grupo de restauração e lidera a formação das equipas da Manteigaria na região para assegurar que estes pastéis de nata tenham o mesmo sabor dos do Chiado, em Lisboa. É o único português numa equipa de 15 pessoas e o recrutamento é um dos maiores desafios do negócio.“Nem sempre é fácil arranjar trabalhadores. Temos de recorrer muito a trabalhadores não-residentes o que obriga a uma autorização especial do governo. Acrescem as questões do licenciamento que são morosas e, tudo junto, acaba por atrasar e dificultar um pouco a abertura do negócio”, refere Diogo Vieira.*A jornalista viajou para Macau a convite da APAVT.“É difícil explicar a reação do mercado.” Procura recorde por viagens de fim de ano dispara 20%