
Doze anos depois da bancarrota que levou Portugal a pedir um resgate financeiro à Europa e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no início de 2011, eis que, finalmente, a República consegue sair do pódio das três maiores dívidas públicas da Europa (em percentagem do PIB - Produto Interno Bruto) e começar a descer no ranking do FMI das maiores dívidas do mundo desenvolvido.
De acordo com dados ontem avançados pelo Banco de Portugal (BdP) para o fecho da dívida pública portuguesa em 2023 e as mais recentes estimativas da Comissão Europeia (também para o ano passado), Portugal deve, facilmente, descer do lugar de terceiro mais endividado da Europa (em primeiro está e continuará a Grécia, em segundo está e continuará Itália), passando passando a ser o sexto mais endividado, sendo ultrapassado nesta lista por França e Espanha em 2023, por esta ordem.
"O peso da dívida pública no PIB reduziu-se de 112,4% em 2022 para 98,7% em 2023", anunciou o BdP às 11h da manhã de ontem, a instituição responsável pelo apuramento deste indicador fundamental na avaliação do cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade.
Ainda assim, ainda continua a faltar uma imensidão de cortes (quase 40% do PIB) para chegar à meta de 60% imposta pelo Pacto de Estabilidade.
Foi em 2010 que começou a sério a longa e dura ascensão do peso da dívida, que ainda hoje exige aos contribuintes uma fatura muito elevada de juros e comissões a pagar aos credores (6,8 mil milhões de euros em 2023, segundo revelou o Ministério das Finanças anteontem), confrontando-os com maiores restrições na despesa ou mesmo cortes e aumentos de impostos e demoras no alívio fiscal, tantas vezes reclamado nos últimos anos.
Até 2002, Portugal respeitou o critério da dívida pública (esteve abaixo dos 60% do PIB durante alguns, ou ligeiramente acima noutros).
Mas a partir da grave crise financeira e bancária de 2008 e da recessão de 2009 que o quadro se degradou. Confrontado com a derrocada de bancos (caso do BPN) e com a necessidade de amparar o sistema financeiro, foram usados abundantes fundos públicos, muitos deles através ou supridos por de emissões de dívida.
Em 2009, já com o rácio da dívida a cavalgar, é o último ano em o país tem uma dívida abaixo de 100%, estava o governo PS de José Sócrates ao comando.
Devido a várias decisões tomadas pelo seu executivo socialista (a nacionalização do BPN é uma das mais onerosas, até hoje), a situação viria a apertar ainda mais com a chegada do resgate e da austeridade, tendo o rácio atingido um máximo histórico de 132,9% do PIB em 2014, o último ano do ajustamento da troika e do governo PSD-CDS.
Até 2016, a dívida portuguesa continuou persistentemente acima de 131% do PIB, o que levou os sucessivos governos de António Costa (e os seus três ministros das Finanças, Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina) a terem sempre rédea muito curta sobre a despesa e a manter a receita a andar bem.
Objetivo: parar de alimentar a dívida, impedindo o país de ter grandes défices. Mais: forçando as contas públicas a darem excedentes. Aconteceu, pela primeira vez em 2019 e vai acontecer de novo em 2023, segundo sinalizou a tutela de Medina, também anteontem.
Centeno aparece
Ontem, antes do BdP anunciar o valor oficial da dívida em 2023, umas horas antes, no evento Fórum Banca, organizado pelo Jornal Económico, Lisboa, o governador fez questão de lançar um teaser sobre o tema.
“Vamos ficar a saber que está abaixo de 100%, o que há muitos anos que não acontecia”, acenou.
Perante os banqueiros na sala, Centeno referiu que “um dos grandes pilares do sucesso da economia portuguesa é a estabilidade financeira" e para mostrar isso "devemos começar pela redução do endividamento, público e privado".
Centeno, que também pode colher 'louros' por foi ministro entre final de 2015 e meados de 2020, disse na referida conferência que o facto de a dívida estar finalmente abaixo de 100% do PIB “não é um epifenómeno, não é uma situação que acontece por acaso", “resulta de um esforço que passa pelas famílias, empresas e, necessariamente, pelo Estado”.
Medina aparece
Fernando Medina, o terceiro ministro das Finanças de António Costa, hoje em gestão, também quis falar sobre este tema e convocou uma conferência de imprensa à última da hora.
"A redução da dívida pública dá liberdade ao país e permite desviar recursos do estrangeiro" para dar aos portugueses, disse. Estaria a pensar na fatura dos juros que embora muito alta ainda, tenderá a cair à medida que a dívida descer.
Medina confirmou que agora Portugal está atrás de "Grécia, Itália, França, Espanha e Bélgica no ranking dos mais endividados da zona euro".
"E estamos numa posição mais segura", o que "permite a libertação de juros para apoiar as políticas públicas do país".
Segundo o ministro, estamos a falar de uma redução real da dívida em 9,4 mil milhões de euros entre 2022 em 2023 - algo desta dimensão "só aconteceu duas vezes nos últimos 50 anos", disse - e que se pode traduzir numa "poupança em juros de 3,3 mil milhões de euros milhões de euros entre 2024 e 2034".
A grande compressão
A grande compressão da dívida em 2023 resultou de um conjunto de operações de larga escala para pagar antecipadamente aos credores e da utilização de valores em depósitos, embora o BdP dê a entender que os valores em numerário (liquidez pura) possam ter aumentado. Ou seja, até deste ponto, o governo poder ter aqui um instrumento para, a qualquer momento, usar estes fundos e fazer esvaziar mais o saco da dívida.
Segundo o banco central português, "em 2023, a dívida pública na ótica de Maastricht diminuiu 9,4 mil milhões de euros" face a 2022.
"Esta variação resultou, em grande medida, da redução de títulos de dívida de curto e de longo prazo (-4,2 mil milhões de euros e -11 mil milhões de euros, respetivamente), de certificados do Tesouro (-4,2 mil milhões de euros) e de empréstimos (-3,1 mil milhões de euros)".
"Em sentido contrário, destacaram-se as emissões líquidas positivas de certificados de aforro (14,4 mil milhões de euros)", diz o BdP.
Os ativos em depósitos das administrações públicas que, juntamente com o numerário, formam a almofada de liquidez da República, "reduziram-se 2,5 mil milhões de euros em 2023".