"Reforma laboral vem repor equilíbrio à alteração de 2023, a pior de que há memória"

Presidente da CIP acusa mudanças laborais da geringonça de terem prejudicado as empresas. João Vieira Lopes, da CCP, saúda a agenda reformista, mas lembra que produtividade depende de outros fatores.
A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho.
A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho. Foto: ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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A reforma laboral proposta pelo Governo está a gerar reações extremadas. De um lado, a rejeição previamente anunciada das centrais sindicais e críticas de associações ligadas à maternidade por retrocesso de direitos; do outro, o elogio das confederações empresariais, que reclamavam muitas das mudanças agora propostas, a bem do crescimento económico.

“É complexa e politicamente delicada,” admite em declarações ao DN o presidente da Confederação do Comércio e Serviços, João Vieira Lopes, “sobretudo porque é profunda e prevê alterações a mais de 100 artigos do Código do Trabalho”, razão pela qual a CCP só vai pronunciar-se no início de setembro. Mas não a considera demasiado ambiciosa, porque “não podemos pedir reformas às segundas, quartas e sextas e quando elas chegam estar contra”, diz o responsável da estrutura que representa a maior parte dos trabalhadores portugueses. Difícil de aprovar, sim, tendo em conta as posições já assumidas pelas duas estruturas sindicais.

A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho.
Da lei da greve à licença parental. As principais propostas da reforma laboral da ministra do Trabalho

Armindo Monteiro, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal) também não entende a rejeição já anunciada da parte da UGT, dirigida sobretudo às alterações ao período de amamentação e à duração dos contratos a termo. “Estas propostas parece que são uma grande transformação, mas vêm sobretudo repor algum equilíbrio às alterações de 2023, que foram a pior transformação ao Código do Trabalho de que há memória”, diz o líder da CIP. Porquê a pior? “Porque prejudicaram muito as empresas e não beneficiaram a vida dos trabalhadores”, sustenta. “Parece que uma grande parte das pessoas que têm falado sobre isto sem saber, nas TV e não só, imaginam que o emprego em Portugal ainda é numa fábrica com relógios de ponto, quando já não é assim, a maior parte do emprego está no comércio e serviços e o que interessa são os indicadores de desempenho: um comercial, por exemplo, não interessa se está das 9h às 5h, o que interessa são as vendas que ele fez e pode haver períodos de picos de trabalho e outros de menos”.

Ambas as confederações patronais saúdam como muito relevante e benéfico para as empresas o fim da proibição do recurso ao outsourcing (subcontratação) a seguir a um despedimento – uma alteração feita em 2023. “Esta proibição não lembra a ninguém, já o Peter Drucker defendia que as empresas se devem concentrar no que fazem bem e subcontratar o que não é o seu core business”. Outra alteração elogiada por ambas as confederações que consta do anteprojeto de alteração ao Código do Trabalho é a reposição do banco de horas individual – que tinha sido excluído - por acordo entre o trabalhador e o empregador. “Voltámos quase ao tempo do Gonçalvismo em que se infantiliza a vontade de trabalhadores negociarem livremente”.

Apesar de em novas modalidades de trabalho com trabalhadores mais diferenciados haver maior liberdade negocial subsistem muitos setores em que tal não se verifica, com forte desvantagem para o trabalhador. Armindo Monteiro reconhece aquela situação e que a lei também tem de a enquadrar, mas observa que “os sindicatos não conhecem uma grande parte dos trabalhadores e aliás, neste momento, têm um problema de representatividade”.

Seja como for, a proposta limitação para dois anos na redução de horário de trabalho por amamentação e a comprovação médica ao fim de doze meses foi considerada um retrocesso nos direitos das mulheres por várias associações. Sobre este tema, embora não o considere central, Armindo Monteiro confirma “o abuso desta possibilidade prevista na lei por parte de trabalhadoras que o estendem até aos seis anos de idade dos filhos”. “Há situações gritantes de abuso que nos chegam”, reitera. Mas não revela se são expressivas ou muito frequentes.

Já o impacto das ‘auto-baixas’ (auto-declaração de doença) terá sido de um milhão de dias de ausências ao trabalho em 2024, diz, com mais de 700 mil declarações. “As empresas já conseguem calcular no início do ano que junto aos feriados e aos fins de semana as doenças vão aumentar”, diz o líder da CIP. Por isso, saúda igualmente a proposta de despedimento com justa causa em caso de auto-declaração de doença, prevista na reforma laboral do governo.

Os pressupostos da proposta que aguarda o parecer dos parceiros sociais são o crescimento económico, a partir de um ambiente laboral mais flexível e de maior produtividade. Mas o representante da CCP, João Vieira Lopes, lembra que as leis laborais não são o fator mais determinante para a produtividade. “Há outros fatores como a qualificação da mão-de-obra, o desenvolvimento tecnológico, a qualificação de gestores de PME e micro empresas, a escala regional e, claro, a fiscalidade”.

As principais alterações propostas:

Lei da greve

Propõe-se que sejam sempre cumpridos os serviços mínimos nos setores essenciais durante uma greve. Estes estendem-se ao cuidado de crianças, idosos e deficientes.

Horário flexível

Os pais com filhos até aos 12 anos, ou com deficiência, ou com doença crónica, deixam de poder recusar trabalho à noite, ao fim de semana e feriados.

Contratos a termo

O prazo mínimo dos contratos a termo passa a ser de um ano, em vez dos seis meses, e o máximo do contrato (incluindo renovações) passa de dois anos para três anos. O limite máximo dos contratos a termo incerto passa de quatro para cinco anos.

Teletrabalho

A legislação passa a prever o teletrabalho híbrido.

Período experimental

O período experimental dos contratos de trabalho de um desempregado de longa duração ou do primeiro emprego recua, de 180 dias para 90 dias.

Doença Fraudulenta

A entrega de uma autodeclaração de doença fraudulenta poderá dar direito a um despedimento por justa causa.

Recibos verdes

A percentagem do rendimento anual necessária para um trabalhador independente ser considerado economicamente dependente de uma empresa - o que lhe dá mais regalias - sobe de 50% para 80%.

Amamentação

O direito ao horário reduzido durante a amamentação fica limitado a dois anos. Também passa a ser obrigatório comprovar a amamentação, com atestado, a partir do nascimento. Antes era só ao fim de um ano.

Luto gestacional

É revogado. Em alternativa, a mãe tem direito à licença por interrupção da gravidez, paga a 100%. Quem não tem seis meses de descontos pode pedir o subsídio social, que é mais baixo. Os pais podem pedir assistência à família, que não é paga.

Licença parental

A licença parental inicial poderá durar até seis meses se, depois de gozados os 120 dias obrigatórios, os dois progenitores optarem por mais 60 dias em regime partilhado. Até agora eram apenas 120 dias. Medida custa 200 milhões de euros por ano.

Formação Contínua

Propõe-se reduzir de 40 horas para 20 horas por ano a obrigação das microempresas proporcionarem formação contínua aos seus trabalhadores.

Comunicação

As empresas ficam sem a exigência de afixar em papel as matérias abrangidas pelo dever de comunicação e passam a poder disponibilizá-las na Intranet.

Banco de horas

É criado o banco de horas individual que permite, por acordo, que o trabalhador faça até mais duas horas diárias de trabalho.

Contratação coletiva

É reforçado o peso da contratação coletiva e das estruturas sindicais, evitando a necessidade de portarias de extensão.

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