Aproveitar os últimos anos de vida com tranquilidade, depois de longas décadas de trabalho, é um cenário cada vez mais utópico para muitos reformados em Portugal. O número de pensionistas a enfrentar dificuldades financeiras tem aumentado, sobretudo à boleia da subida do custo de vida e, em particular, dos preços da habitação. O alerta é dado pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco) que recebeu, nos primeiros nove meses do ano, 20 mil pedidos de ajuda de famílias sobreendividadas - destas, 15%, ou seja, três mil, correspondem a reformados. Ao DN, a associação refere que regista um crescimento expressivo das solicitações de apoio por parte de aposentados e o “fenómeno” levou mesmo a Deco a afinar a análise ao perfil destes agregados em situação de “elevada vulnerabilidade”. São, essencialmente, idosos entre os 70 e os 80 anos que chegaram à idade da reforma despidos de poupanças. Sem almofadas financeiras, e com uma reforma insuficiente para cobrir os encargos mensais, o endividamento assume-se como a única via de sobrevivência. Em média, estes reformados têm quatro créditos ativos, principalmente créditos pessoais, no valor de 20 mil euros e cartões de crédito num montante de seis mil euros. As prestações mensais destes créditos totalizam cerca de 680 euros face a um rendimento líquido médio de 1.150 €euros, o que representa uma taxa de esforço próxima dos 60%, “muito acima do limite recomendado de 35%”, alerta a associação. As despesas com a habitação são as que mais pressionam o orçamento. “Muitos destes créditos acabam por ser para financiar a questão das rendas e das cauções quando há mudança de contrato, por exemplo, mas também são para pagar as despesas correntes, como a alimentação e saúde”, explica ao DN a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GAF) da Deco. Natália Nunes frisa que, em muitas situações, estes idosos acabam por ter de cortar nos gastos com alimentação e medicamentos para conseguirem pagar a fatura da habitação. Mais de metade (54,1%) destes reformados vive em casas arrendadas, 24,6% têm casa própria sem hipoteca,9,8% ainda pagam crédito à habitação e 11,5% vivem noutras situações habitacionais. “São pessoas que na maioria estão sozinhas, são viúvas ou estão separadas, e a opção passa por arrendarem quartos, ou por viverem em casas partilhadas”, acrescenta.Natália Nunes destaca uma mudança de paradigma nos pedidos que batem à porta da associação. “Sempre tivemos, nos anos anteriores, reformados a pedir ajuda, muito por causa do crédito à habitação, sobretudo porque antes se deixava ir o crédito para além dos 65 anos . Quando chegavam à idade da reforma, as pessoas tinham uma diminuição dos rendimentos. Neste momento, estas pessoas reformadas pedem ajuda, mas já não é por causa deste crédito”, refere. Ajudar a resolver estes casos de sobreendividamente apresenta desafios acrescidos, aponta a responsável, desde logo no que respeita às limitações à renegociação dos créditos devido aos limites de idade impostas pela banca. Outro dos obstáculos assenta no facto de muitos apoios e canais de ajuda estarem concentrados no online, uma via que não é familiar para uma larga maioria destes pensionistas. .Deco pede medidas de apoio à poupança.Hoje assinala-se o dia mundial da poupança e, em Portugal, poupar não é um verbo que se conjugue com facilidade, principalmente para as famílias que recebem o salário mínimo ou para os pensionistas que auferem baixas reformas. Por isso mesmo, a Deco defende que o Governo deve intervir, assumindo um papel profiláctico nos casos de sobreendividamento.A associação pede que sejam criados incentivos fiscais progressivos que beneficiem todas as faixas de rendimento, tornando a poupança mais acessível e sejam promovidos produtos de poupança simples, “claros e transparentes”, sem taxas escondidas, para que todos os cidadãos possam investir de forma segura , além de sublinhar a necessidade de uma redução d a carga fiscal sobre os depósitos a prazo. “O Banco de Portugal diz-nos que continuam a aumentar os depósitos a prazo e o dinheiro depositado na conta à ordem. O rendimento que as famílias têm destes depósitos acaba por ser um muito baixo. Gostaríamos que o Governo também olhasse para esta situação do ponto de vista fiscal porque estas remunerações em termos de juros acabam por ter impostos elevados. Mesmo que se consiga poupar pouco, a verdade é que se o fizermos ao longo de vários anos, as poupanças vão crescendo e era importante que houvesse um incentivo à cultura da poupança para ajudar as famílias a fazer face aos imprevistos e a acautelar os anos da reforma”, defende Natália Nunes. .Poupança dos portugueses em máximos de 22 anos mas longe do pico dos anos 70 .Cartões de crédito antigos com juros acima do máximo do Banco de Portugal agravam endividamento