Sobreendividamento entre reformados aumenta: cortam na alimentação e saúde para sobreviver

Mais de 20 mil famílias pediram ajuda à Deco este ano, 15% são reformados. Sem poupanças, cresce o número de idosos a recorrer a créditos pessoais.
Sobreendividamento entre reformados aumenta: cortam na alimentação e saúde para sobreviver
FOTO: Leonardo Negrão
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Aproveitar os últimos anos de vida com tranquilidade, depois de longas décadas de trabalho, é um cenário cada vez mais utópico para muitos reformados em Portugal. O número de pensionistas a enfrentar dificuldades financeiras tem aumentado, sobretudo à boleia da subida do custo de vida e, em particular, dos preços da habitação. O alerta é dado pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco) que recebeu, nos primeiros nove meses do ano, 20 mil pedidos de ajuda de famílias sobreendividadas - destas, 15%, ou seja, três mil, correspondem a reformados.

Ao DN, a associação refere que regista um crescimento expressivo das solicitações de apoio por parte de aposentados e o “fenómeno” levou mesmo a Deco a afinar a análise ao perfil destes agregados em situação de “elevada vulnerabilidade”. São, essencialmente, idosos entre os 70 e os 80 anos que chegaram à idade da reforma despidos de poupanças. Sem almofadas financeiras, e com uma reforma insuficiente para cobrir os encargos mensais, o endividamento assume-se como a única via de sobrevivência.

Em média, estes reformados têm quatro créditos ativos, principalmente créditos pessoais, no valor de 20 mil euros e cartões de crédito num montante de seis mil euros. As prestações mensais destes créditos totalizam cerca de 680 euros face a um rendimento líquido médio de 1.150 €euros, o que representa uma taxa de esforço próxima dos 60%, “muito acima do limite recomendado de 35%”, alerta a associação.

As despesas com a habitação são as que mais pressionam o orçamento. “Muitos destes créditos acabam por ser para financiar a questão das rendas e das cauções quando há mudança de contrato, por exemplo, mas também são para pagar as despesas correntes, como a alimentação e saúde”, explica ao DN a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GAF) da Deco.

Natália Nunes frisa que, em muitas situações, estes idosos acabam por ter de cortar nos gastos com alimentação e medicamentos para conseguirem pagar a fatura da habitação.

Mais de metade (54,1%) destes reformados vive em casas arrendadas, 24,6% têm casa própria sem hipoteca,9,8% ainda pagam crédito à habitação e 11,5% vivem noutras situações habitacionais. “São pessoas que na maioria estão sozinhas, são viúvas ou estão separadas, e a opção passa por arrendarem quartos, ou por viverem em casas partilhadas”, acrescenta.

Natália Nunes destaca uma mudança de paradigma nos pedidos que batem à porta da associação. “Sempre tivemos, nos anos anteriores, reformados a pedir ajuda, muito por causa do crédito à habitação, sobretudo porque antes se deixava ir o crédito para além dos 65 anos . Quando chegavam à idade da reforma, as pessoas tinham uma diminuição dos rendimentos. Neste momento, estas pessoas reformadas pedem ajuda, mas já não é por causa deste crédito”, refere.

Ajudar a resolver estes casos de sobreendividamente apresenta desafios acrescidos, aponta a responsável, desde logo no que respeita às limitações à renegociação dos créditos devido aos limites de idade impostas pela banca. Outro dos obstáculos assenta no facto de muitos apoios e canais de ajuda estarem concentrados no online, uma via que não é familiar para uma larga maioria destes pensionistas.

Deco pede medidas de apoio à poupança

Hoje assinala-se o dia mundial da poupança e, em Portugal, poupar não é um verbo que se conjugue com facilidade, principalmente para as famílias que recebem o salário mínimo ou para os pensionistas que auferem baixas reformas. Por isso mesmo, a Deco defende que o Governo deve intervir, assumindo um papel profiláctico nos casos de sobreendividamento.

A associação pede que sejam criados incentivos fiscais progressivos que beneficiem todas as faixas de rendimento, tornando a poupança mais acessível e sejam promovidos produtos de poupança simples, “claros e transparentes”, sem taxas escondidas, para que todos os cidadãos possam investir de forma segura , além de sublinhar a necessidade de uma redução d a carga fiscal sobre os depósitos a prazo.

“O Banco de Portugal diz-nos que continuam a aumentar os depósitos a prazo e o dinheiro depositado na conta à ordem. O rendimento que as famílias têm destes depósitos acaba por ser um muito baixo. Gostaríamos que o Governo também olhasse para esta situação do ponto de vista fiscal porque estas remunerações em termos de juros acabam por ter impostos elevados. Mesmo que se consiga poupar pouco, a verdade é que se o fizermos ao longo de vários anos, as poupanças vão crescendo e era importante que houvesse um incentivo à cultura da poupança para ajudar as famílias a fazer face aos imprevistos e a acautelar os anos da reforma”, defende Natália Nunes.

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