
A União Europeia (UE) é líder mundial em obrigações verdes, sendo responsável por cerca de metade das emissões mundiais, e foi pioneira neste mercado com a emissão da primeira green bond pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), em 2007. Atualmente, são emitidos cerca de 457,89 mil milhões de euros em títulos verdes anualmente, com as emissões de 2023 a representarem um crescimento de 9,36%, segundo dados da Climate Bonds Inititative, uma organização internacional que tem como missão mobilizar capital para a “ação climática”.
Por cá, as empresas nacionais alocaram cerca de 3,6 mil milhões de euros em 2023, uma subida ligeira face ao ano anterior, mas ainda bastante abaixo de outros países europeus como, por exemplo, a Alemanha que, no mesmo período alocou 7,14 mil milhões de euros, conforme revela a S&P Global. Para 2024, espera-se que a quebra nas taxas de juro diretoras do Banco Central Europeu ajude a dinamizar este mercado que, defendem os especialistas, precisa de crescer mais, e mais depressa. Em setembro deste ano, e de acordo com o Banco de Portugal, o valor total de emissões de títulos ESG (sigla em inglês para Ambiente, Social e Governação) emitidos por entidades residentes atingiu os 13 330 milhões de euros (uma subida de cerca de 34% face a setembro de 2023), 9,5 mil milhões dos quais classificados como ESG Verde (títulos cujos recursos se destinam a financiar projetos relacionados com a proteção do meio ambiente).
Contudo, a Europa enfrenta um conjunto de desafios que podem influenciar a rapidez de desenvolvimento deste mercado, nomeadamente ao nível da regulação mais apertada, e que visa prevenir e evitar ações de greenwashing.
Dentro de dois meses, a 21 de dezembro, começará a ser aplicado o Regulamento Europeu sobre Títulos Verdes Europeus (Regulamento EuGB), que entrou em vigor em setembro de 2023, e que promove o objetivo da União Europeia (UE) de desenvolver uma economia com impacto neutro no clima, apoiando o financiamento de atividades sustentáveis e aumentando a proteção dos investidores contra o greenwashing.
Segundo o novo regulamento, os rendimentos dos European Green Bonds devem ser integralmente destinados a atividades sustentáveis que atendam aos critérios estabelecidos pelo Regulamento da Taxonomia da UE (2020/85) - o sistema de classificação de atividades ‘verdes’. “Essas atividades têm de contribuir para objetivos ambientais, não prejudicar outras metas climáticas, seguir salvaguardas mínimas e cumprir critérios técnicos definidos pela Comissão Europeia”, explica Paulo Monteiro Rosa ao Dinheiro Vivo. O economista sénior do Banco Carregosa sublinha que, ao aprovarem os novos padrões para empresas que desejam emitir títulos ‘verdes’, os legisladores da UE reforçaram o impulso da transição energética.
As novas regras relativas às obrigações verdes europeias surgem no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e inserem-se no conjunto de iniciativas do Plano de Ação: Financiar um Crescimento Sustentável. Estas iniciativas visam a implementação de normas que facilitem, entre outros aspetos, a identificação dos investimentos sustentáveis do ponto de vista ambiental e evitar práticas de greenwashing, ou seja, “evitar que sejam comercializados produtos de investimento que se auto intitulam como sustentáveis, quando na realidade não o são, podendo induzir o investidor em erro”, salienta fonte oficial da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Uniformização de requisitos, aumento da informação prestada e introdução de rotulagem “conferem maior credibilidade a esta categoria de produtos financeiros e contribuem para o aumento da confiança e proteção dos investidores”, diz a CMVM.
Dar confiança aos investidores
Contudo, um controlo mais apertado destes produtos de investimento ‘verde’ abre a porta a novos desafios, quer para as instituições financeiras, quer para os reguladores. Em Portugal, a CMVM já supervisionou anteriormente emissões de obrigações ‘verdes’, “mas as novas regras implicam uma evolução e adaptação dessa supervisão”, admite o regulador ao Dinheiro Vivo, acrescentando que, nos últimos anos, as finanças sustentáveis têm sido uma prioridade estratégica para a instituição.
Na sua atuação, a CMVM procura apoiar as entidades supervisionadas na adaptação às novas regras sobre ESG “e assegurar a qualidade da informação divulgada pelos vários intervenientes no mercado, nomeadamente pelas empresas, gestores de ativos e pelos intermediários financeiros”. O objetivo é que os investidores tenham confiança no mercado e na informação que lhes é prestada para a tomada das suas decisões de investimento.
Do lado das instituições financeiras, os principais desafios são, na opinião de Paulo Monteiro Rosa, sobretudo, a monitorização dos critérios, a transparência e a melhoria dos relatórios de sustentabilidade, a limitação da flexibilidade nos setores não cobertos, a melhoria da capacidade técnica dos colaboradores, e a coordenação entre as diferentes jurisdições dos vários Estados-membros. “Essa adaptação tem custos e necessita de tempo porque são vários desafios que exigem um esforço coordenado entre instituições financeiras, reguladores e governos para garantir que as obrigações verdes realmente contribuam para a transição sustentável, sem sobrecarregar o sistema financeiro”, reforça.
Garantir a conformidade com os padrões internacionais de relatórios ambientais, sociais e de governança (ESG), e assegurar que os fundos captados através de green bonds são efetivamente utilizados em projetos sustentáveis, são igualmente desafios para as instituições financeiras, destacados por Henrique Tomé. “Isto requer maior transparência e auditoria rigorosa”, salienta o analista da corretora XTB.
Investir com consciência ambiental e financeira
A diversidade de produtos financeiros com características ESG tem vindo a aumentar, ao longo do tempo. Atualmente, já existem fundos de investimento mobiliário e imobiliários que incorporam um ou mais fatores ESG nas suas características ou objetivos. Questionada sobre o que diferencia estes produtos, a CMVM exemplifica que atualmente existem fundos que só investem em empresas que tenham um determinado rating ESG, ou que utilizam critérios de exclusão de investimento em empresas com negócios em determinados setores económicos, como armamento, mineração de carvão ou combustíveis fósseis.
No domínio dos títulos de dívida, além das green bonds (ESG verde), há as obrigações sociais (ESG social), em que os fundos obtidos são utilizados para financiar ou refinanciar projetos que gerem resultados sociais positivos, os títulos ESG sustentabilidade (que combinam a proteção do meio ambiente com um impacto social positivo), e a obrigações ligadas à sustentabilidade, que são instrumentos de dívida em que os fundos obtidos podem ser usados para financiar qualquer atividade empresarial na qual o emitente se compromete a atingir determinadas metas de desempenho em matéria de sustentabilidade.
Os dados do Banco de Portugal indicam que em setembro o stock de títulos de dívida da categoria ESG social atingiam 1070 milhões de euros, da categoria ESG sustentabilidade 518, 9 milhões; e da categoria ESG ligado à sustentabilidade 2217,6 milhões.
Com estas ferramentas financeiras, as empresas conseguem financiar-se e fazer crescer os seus negócios. E quais as vantagens para o investidor? “Subscrever produtos relacionados com a sustentabilidade tem muitas vantagens”, assegura Paulo Monteiro Rosa. O economista do Banco Carregosa explica que as empresas que adotam práticas sustentáveis tendem a ser mais resilientes a riscos ambientais, sociais e regulatórios, “o que pode resultar num desempenho financeiro mais estável a longo prazo”. Assim, os produtos sustentáveis expõem o investidor a setores com elevado potencial de crescimento, como energias renováveis, eficiência energética, mobilidade elétrica, e tecnologias limpas, alinhando muitas vezes investimentos com valores pessoais. “É também uma diversificação da carteira, o que é sempre positivo para quem investe”, acrescenta.
“Estes produtos garantem aos investidores que as suas poupanças e investimentos estão a ser alocadas para empresas com atividades sustentáveis, que contribuem para a sustentabilidade, ou em projetos de transição para a sustentabilidade”, diz a CMVM que recorda que estes produtos permitem igualmente aos investidores prevenir que os seus capitais financiem atividades não sustentáveis ou que não contribuam para a transição, “permitindo conciliar o investimento no mercado de capitais com a responsabilidade social”, reforça o regulador.
Menos otimista, Henrique Tomé admite que “as vantagens podem ser questionáveis”. E explica: “Por um lado, conseguimos investir com práticas ESG e em empresas de forma responsável, mas, por outro, a rentabilidade esperada destes investimentos deverá ser menor tendo em conta o histórico dos investimentos passados”. Tudo dependerá, diz, da ótica do investidor e do valor que atribui a estas matérias.
Cuidados a ter antes de investir
Antes de aplicar as poupanças, e à semelhança de outros investimentos, é importante verificar a credibilidade da empresa em que vai apostar. Neste caso, importa ter a certeza de que a empresa pratica realmente normas sustentáveis e que estão de acordo com as práticas ESG. Além disso, afiança Henrique Tomé, “continua a ser importante olhar para as contas e resultados das empresas, e perceber se o setor em que atuam está (ou não) vulnerável ao ciclo atual do mercado”. Desta forma, explica o analista, é possível ter uma noção da perspetiva futura e do potencial da empresa, não obstante a incerteza que caracteriza o mercado, e o risco que estará sempre envolvido.
“Produtos sustentáveis geralmente são mais adequados para investidores de longo prazo”, complementa Paulo Rosa. Nesta perspetiva, recomenda que o investidor faça uma análise ao horizonte temporal do investimento, e que procure diversificação dentro do setor sustentável.
Além disso, os analistas são unânimes na recomendação de que qualquer investimento deve ser monitorizado de forma contínua, e que os investidores devem sempre procurar aconselhamento especializado junto de uma instituição financeira avalizada na subscrição de produtos sustentáveis. “Ao investir em produtos sustentáveis, é crucial ser diligente e verificar a autenticidade do impacto, o alinhamento com os seus objetivos financeiros e a conformidade com as melhores práticas de sustentabilidade”, conclui o especialista do Banco Carregosa.