Dificuldade de contratação de mão de obra no Turismo reforça aposta nos jovens nos Açores

Região Autónoma tem a taxa de desemprego mais baixa do país, mas setor ainda é visto como “crítico”. Programa de estágios conseguiu, em 2024, preencher 38,1% da oferta de vagas no segmento.
No Turismo da Terceira, 56 trabalhadores foram colocados com apoio à contratação do Governo regional em 2024.
No Turismo da Terceira, 56 trabalhadores foram colocados com apoio à contratação do Governo regional em 2024.Caroline Ribeiro
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À mesa no restaurante do recém inaugurado Torel Terra Brava, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, temos uma prova do melhor que há na gastronomia local. O tártaro de novilho dos Açores é forte e saboroso, o lírio curado com vinagrete de maracujá traz uma combinação vitoriosa de acidez com a frescura do peixe e os queijos e pães açorianos enriquecem toda a refeição. Este menu, que conta com mais opções, tem na assinatura a consultoria do chef Guilherme Spalk, detentor de uma estrela Michelin com o 2Monkeys no Torel Palace Lisbon, e pode ser servido no bar do hotel, o Botaniq, que já está a funcionar, mas a carta completa do restaurante, batizado de Três, ainda está por ser conhecida. É que o espaço ainda não abriu - nem aos hóspedes e nem ao público em geral - porque as três principais posições para o funcionamento da cozinha, a de chef, de cozinheiro de primeira e de plonger, ainda estão por ser preenchidas.

Embora a expetativa seja de que o Três abra as portas até ao final deste mês, as dificuldades para contratação de trabalhadores são, ainda, o percalço operacional a ser superado pelo empreendimento. “Tentámos e ainda estamos a tentar contratar localmente, porque achamos que faz mais sentido. Mas é muito, muito difícil”, afirma João Pedro Tavares, CEO da rede hoteleira.

Crescimento do Turismo

No segundo trimestre deste ano, o arquipélago registou a taxa de desemprego mais baixa de Portugal, em 3,9%, quando a média do país é de 5,9%, segundo números do Serviço Regional de Estatística dos Açores e do Instituto Nacional de Estatística. A população ativa aumentou 1,4% em comparação com o trimestre homólogo em 2024. “A ilha Terceira apresenta hoje um mercado de trabalho mais exigente e dinâmico”, afirma ao DV o diretor regional de Qualificação Profissional e Emprego, Renato Medeiros.

“Apesar do saldo natural negativo, a população manteve-se estável graças a um saldo migratório positivo. As queixas de falta de mão de obra não contrariam estes dados. Significam, isso sim, que o emprego cresceu, mas que há perfis críticos, sobretudo no Turismo e Restauração, onde a procura supera a disponibilidade, particularmente em determinadas épocas do ano e para horários específicos”, completa o diretor.

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O Governo regional considera que o arquipélago é, atualmente, um case study no setor. “Somos o primeiro arquipélago do mundo certificado como destino turístico sustentável. Fomos classificados em 2019 com o nível prata e quatro anos depois somos nível ouro”, diz ao DV a secretária regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, Berta Cabral, ao destacar que, em 2024, o crescimento no segmento foi de 12% e que, até ao primeiro semestre desde ano, já estava nos 6%.

A secretária reforça que as dificuldades de contratação são um cenário “com boas perspetivas” e “sem grandes disrupções”. “Não tenho conhecimento de situações em que tenham que encerrar restaurantes, ou situações extremas. Tem sido resolvido sempre através de mecanismos (de Governo) ou parcerias”, diz Berta Cabral.

Aposta nos jovens

Entre os mecanismos dos quais o Governo dispõe e aposta, não só no Turismo, mas para retenção de mão de obra geral, estão os programas de estágio para os jovens profissionais (Estagiar) e os apoios às contratações. “O Estagiar tem sido, nos últimos anos, a principal porta de entrada dos jovens para um mercado de trabalho açoriano, seja na sua vertente L, que é para quem tem formação de nível superior, como para as qualificações intermédias, o Estagiar T”, explica Renato Medeiros.

Em vigor desde 2021, o programa Estagiar oferece aos participantes uma remuneração de acordo com o salário mínino regional (943,25 euros) e outros benefícios, e tem uma taxa de 71,4% de empregabilidade após o fim do estágio. No ano passado, o programa conseguiu preencher 38,1% das vagas disponibilizados por empresas ligadas ao Turismo em toda a região, colocando 67 estagiários. Deste total, apenas nove foram para posições na Terceira, numa taxa de colocação de 21,4%, que mostra “maior dificuldade em traduzir as ofertas em estágios nestes setores específicos da ilha”, analisa Medeiros.

A bióloga marinha Iara Sotto Mayor está colocada numa empresa que faz passeios para observação de baleias pelo programa Estagiar L.
A bióloga marinha Iara Sotto Mayor está colocada numa empresa que faz passeios para observação de baleias pelo programa Estagiar L.Caroline Rbeiro

Quando estiverem fechadas as estatísticas de 2025 do programa, o nome da bióloga marinha Iara Sotto Mayor vai constar na lista. Aos 25 anos, a jovem, natural do Barreiro, em Almada, está, desde janeiro, a cumprir estágio pelo programa regional na Ocean Emotion, empresa que faz passeios para observação de cetáceos na costa da Terceira, um dos destaques na oferta de atividades turísticas da ilha. Com uma licenciatura tirada na Universidade de Évora, um mestrado na Universidade de Coimbra, e enfrentando o que conta ter sido um primeiro emprego “precário” numa grande fundação ligada à biodiversidade do mar em Lisboa, a jovem encontrou nos Açores “uma oportunidade muito positiva mesmo”, diz ao DV.

“Eu acho que é bom para o primeiro trabalho, conseguimos pedir, por exemplo, o IRS jovem, já temos isso tudo direitinho. Para nós, enquanto biólogas marinhas, tem a parte do Turismo, mas também tem a educação ambiental que, para mim, é a mais gratificante”, ressalta.

A jovem também avalia o que poderão ser as dificuldades que a contratação do setor do Turismo enfrenta. “Temos uma altura em que trabalhamos pouco e depois temos uma em que quase não dá para respirar e não é muita gente que também gosta de se subjugar a certas coisas. E eu acho que a falta de atratividade vem do não reconhecimento do trabalho e da necessidade que existe dessas pessoas no dia-a-dia”. Opinião que vai ao encontro da criação das políticas de emprego que exigem melhores contratos e estimulam a retenção dos jovens qualificados, com valorização salarial e apoios - variando de dois a oito mil euros - direcionados aos que se fixem e exerçam a sua atividade profissional na região por um período mínimo de 5 anos. Criada no ano passado, a medida apoiou 206 jovens no arquipélago (41 na Terceira). Este ano, foram 48 até agosto (7 na Terceira).

Quem sabe no ano que vem, ao final do seu estágio, seja a Iara a entrar nesta outra estatística. A tirar pela empolgação com a qual fala sobre os golfinhos que cercam o barco, ou a baleia-sardinheira que dá o ar da sua graça a este grupo de visitantes, a Terceira tem a ganhar com esta jovem profissional. “E ainda por cima eu moro a cinco minutos a pé da praia, em qualquer momento eu agarro as minhas barbatanas e o meu snorkel e vou ver o que é que anda por aí. Tem sido uma experiência profissional, mas também pessoal”.

*A jornalista viajou a convite do grupo Torel Boutiques.

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